
A estratégia do ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) Augusto Heleno de exercer parcialmente o direito de silêncio e responder apenas a seu advogado durante interrogatório no STF (Supremo Tribunal Federal) pode ter sido comprometida por atuação em que o general se enrolou com as respostas e deu a entender que só não adotou medidas ilegais por falta de “clima”, segundo especialistas.
Nesta terça-feira (10), Augusto Heleno só respondeu a perguntas de seu advogado Matheus Milanez, mas foi repreendido por ele ao se enrolar com as respostas e não entregar falas mais curtas, do tipo sim ou não, aos questionamentos.
No geral, Heleno negou ações golpistas, mas mais de uma vez respondeu não ter tentado ações ilegais por não haver “clima” ou pela falta de autorização do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Ele também afirmou que estava afastado de militares que estariam relacionados ao suposto golpe, confirmando indiretamente que havia aqueles que se mobilizaram em direção a uma trama golpista.
Augusto Heleno foi o quinto a falar. Antes dele falaram o delator e ex-ajudante de ordens Mauro Cid, Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-chefe da Abin, Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, e Anderson Torres, ex-ministro da Justiça.
Ainda participam do interrogatório Bolsonaro, Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, e Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa.
Todos os oitos são acusados de participarem do núcleo central de uma trama golpista para impedir a posse do presidente Lula (PT). Eles respondem sob a acusação dos crimes de golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado democrático de Direito, associação criminosa armada, dano qualificado ao patrimônio público e deterioração do patrimônio tombado.
Para Ricardo Yamin, doutor em direito pela PUC-SP, o general optou por ficar parte em silêncio, mas fez um depoimento que o ajudou muito pouco, do ponto de vista jurídico, e acabou prejudicando a estratégia de autodefesa inicial.
“Quando ele nega os envolvimentos dele nas questões, ele está simplesmente se defendendo. Isso já está na defesa e não acrescenta. Mas quando ele faz confusão e erra a mão com os comentários dele, ele só se prejudica. Ele fez um depoimento que violou a estratégia dele”, afirma o especialista.
Danilo Pereira Lima, professor de direito constitucional e coordenador do curso de direito do Claretiano de Batatais, fala em “sincericídio” do general Augusto Heleno com as respostas dadas ao advogado. Para ele, a referência à falta de “clima” se coaduna com a leitura geral do especialista sobre os militares não terem embarcado no golpe apenas por falta de oportunidade.
“Ele cometeu um ‘sincericídio’ e é bem essa leitura que eu faço sobre a discussão sobre se o comandante do Exército [Freire Gomes] foi legalista ou não. Para mim, eles [comandantes da FAB] só não embarcaram no golpe porque faltou um clima, faltaram condições favoráveis para que o regime democrático fosse derrubado”, afirma.
A falta de “clima” foi repetida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro durante seu interrogatório. Ele afirmou que não prosseguiu com discussões sobre estado de sítio e medidas similares porque não havia “clima” e “base minimamente sólida” para tomar as medidas que, segundo o político, só foram aventadas depois que as portas se fecharam no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), fazendo referência à multa de R$ 22,9 milhões recebidas pelo seu partido, o PL, por litigância de má-fé em 2022.
A advogada criminalista Ana Carolina Barranquera, especialista em direito e processo penal, afirma que Augusto Heleno se enrolou quando cita uma “virada de mesa” que deveria ser feita antes das eleições. “Virar a mesa quer dizer que haverá mudança ilegal do resultado. Virar a mesa não é uma expressão que pode ser utilizada para garantir a legalidade, mas sim para não respeitar a legalidade”, diz a especialista.
Segundo a acusação, Heleno teria desempenhado papel de conselheiro de Bolsonaro e trabalhado no “direcionamento estratégico” da organização criminosa, além de integrar um “núcleo de inteligência paralela” que atuaria na consumação do golpe de Estado.
O general também é investigado no caso da “Abin paralela”, no qual é apurado suposto uso das estruturas da Agência Brasileira de Inteligência no monitoramento de adversários políticos de Bolsonaro e na blindagem de seus filhos em investigações da Polícia Federal.
No interrogatório, Heleno afirmou que, a curto prazo, não era possível fazer uma infiltração de agentes na Abin. Ele também disse ser adepto do voto impresso, mas que “não tinha força para transformar aquilo em realidade”.
Questionado sobre se aceitou o resultado das urnas, Heleno afirmou que “tinha que aceitar, não havia outra solução”. Ele afirmou que o lema do governo Bolsonaro era agir dentro das quatro linhas, em referência à necessidade de constitucionalidade de suas ações, e negou qualquer relação com os ataques golpistas do 8 de Janeiro.
O general também negou conhecimento sobre o plano Punhal Verde Amarelo, que planejaria a morte de autoridades, e disse ter se afastado de Jair Bolsonaro durante o mandato do ex-presidente.
Fonte: FolhaPress