No Mundo
Quinta-feira, 6 de março de 2025

Falha de coalizão moderada na Alemanha seria ‘suicídio por medo de morrer’, diz cientista político

Em um sistema parlamentarista, quase tão importante quanto o momento das eleições, que define a correlação de forças no Legislativo, é o período de semanas ou meses seguintes nos quais os partidos realizam consultas, fazem contas e negociam a coalizão que governará o país pelos próximos anos.
Na Alemanha, onde a poeira começa a baixar após eleições históricas que deram a vitória à centro-direita, mas deixaram a extrema direita na melhor posição desde o fim do nazismo, a matemática é inevitável, avalia Stefan Marschall, cientista político e professor da Universidade Heinrich Heine de Düsseldorf.
Para ele, o partido vencedor das eleições, a CDU (União Democrática Cristã), não tem escolha a não ser compor e governar com o SPD (Partido Social-Democrata da Alemanha) -frente ao avanço inédito do partido extremista AfD (Alternativa para a Alemanha), optar por qualquer outra configuração seria tão instável e acarretaria tantos riscos que seria como “cometer suicídio por medo de morrer”.
“Um governo CDU/SPD não teria uma maioria confortável. Mas quando pensamos em uma coalizão entre esses partidos e mais os Verdes [uma possibilidade aventada antes das eleições], precisamos pensar: por que incluir um terceiro partido, quando dois já bastam?”.
Outras configurações matematicamente factíveis, como um governo com o partido A Esquerda ou com os extremistas da AfD, são politicamente impossíveis, afirma Marschall.
“Os partidos não querem a participação da AfD no governo sob qualquer hipótese”, diz, referindo-se à estratégia do Brandmauer, ou firewall, segundo a qual as siglas do campo democrático se recusam a trabalhar com os extremistas e os isolam do controle do governo. “Isso já virou quase um juramento. Por isso, uma coalizão de centro está fadada ao sucesso: não há alternativas reais.”
Pouco depois das eleições, a CDU e o SPD anunciaram que conduziriam reuniões para medir a viabilidade de um governo. Desde então, as conversas avançaram, com as siglas anunciando objetivos em comum, como uma reforma no teto de gastos da Alemanha -com o objetivo de rearmar o país frente à erosão da aliança entre a Europa ocidental e os Estados Unidos de Donald Trump.
Uma reforma assim, entretanto, não seria possível apenas com os votos dos dois partidos que devem compor o governo: seria necessária uma maioria de dois terços. “Isso significa que essa mudança, em teoria, poderia ser bloqueada pela AfD em conjunto com A Esquerda”, diz Marschall -um cenário improvável.
“Ainda assim, existe uma discussão sobre alterar o teto de gastos antes que tome posse o novo Parlamento, eliminando assim esse risco. Mas há aí, na minha opinião, um problema de legitimidade.” Os novos deputados precisam ser empossados até 25 de março.
Um governo composto por CDU e SPD não seria novidade: essa coalizão governou a Alemanha muitas vezes na sua história recente, em especial durante o governo Angela Merkel. Ela costumava ser chamada de Grande Coalizão, uma vez que essas siglas foram as dominantes na política alemã do pós-guerra por décadas e já comandaram quase a totalidade do Bundestag, o Parlamento do país.
Agora, porém, terão uma margem apertada para governar se entrarem em acordo: 328 assentos de 630, apenas 12 a mais do que o necessário para uma maioria. O declínio da CDU e do SPD é um fenômeno de décadas e encontra paralelos em outros países europeus nos quais a política deixou de ser binária entre a centro-esquerda e a centro-direita, como o Reino Unido.
Ainda assim, nessa eleição, a principal explicação para a maioria apertada são os ganhos importantes da AfD, que dobrou seu resultado anterior, um resultado que representa o melhor desempenho da extrema direita na Alemanha desde o fim do nazismo.
“É por isso que acredito que as negociações entre a CDU e o SPD vão ser bem-sucedidas”, prossegue Marschall. “Entretanto, serão doloridas, e virão às custas de concessões políticas que, por sua vez, enfraquecerão os partidos e os tornarão menos capazes de mobilizar eleitores. Isso será um problema e um desafio dos próximos quatro anos.”
As concessões políticas às quais se refere o professor serão necessárias porque o DNA dos dois partidos é muito diferente –o SPD é uma sigla de centro-esquerda preocupada com direitos trabalhistas e bem-estar social, enquanto a CDU tem na sua base de centro-direita eleitores preocupados com a saúde econômica das empresas alemãs e a questão fiscal.
Ademais, os dois partidos saem de uma campanha eleitoral dura, na qual a CDU do candidato Friedrich Merz, que muito provavelmente será o próximo primeiro-ministro da Alemanha, fez uma guinada à direita na questão da imigração, seguindo a estratégia de oferecer uma alternativa democrática ao eleitor preocupado com a questão e que, do contrário, votaria na AfD.
“Nesse sentido, o SPD vai precisar se mover à direita em uma coalizão com a CDU de Merz”, afirma Marschall –o atual premiê, Olaf Scholz, já disse que não participará dessas conversas, e por isso quem comanda a delegação do partido é seu presidente Lars Klingbeil, que deve ter papel importante no próximo governo.
“Klingbeil pertence à ala mais à direita do SPD. Ele é especialista em política de defesa, ou seja, esse é um tema que deve ser prioridade para o partido daqui para frente”, afirma o professor. “Por outro lado, isso abre espaço para a oposição à esquerda fora do SPD, como os Verdes e [o partido] A Esquerda, que teve ótimos resultados nesta eleição.”
O principal risco do novo governo, para o especialista, é uma instabilidade que fortaleceria a extrema direita enquanto durar. “Instabilidade é música para os ouvidos dos extremistas. É ela que leva partidos com respostas simples a vencerem eleições, porque a insegurança causa um desejo de uma política disruptiva.”
“Paradoxalmente, a situação econômica na Alemanha está um pouco problemática [o país está em recessão], mas o eleitor diz em pesquisas estar satisfeito com sua posição financeira pessoal. Isso significa que o cidadão tem, ao mesmo tempo, medo da recessão e medo de perder sua segurança econômica, e aí ganham os partidos populistas”, avalia Marschall. “Como aconteceu nos EUA: por lá, um candidato venceu porque ofereceu políticas muito disruptivas -e agora, as cumpre.”
RAIO-X | Stefan Marschall, 56
Nascido em 1968 em Gerolstein, na Renânia-Palatinado, é formado em ciência política, sociologia e psicologia pela Universidade do Reno Friedrich-Wilhelm de Bonn e pela Universidade de Pittsburgh, nos EUA. É professor da Universidade Heinrich Heine de Düsseldorf desde 2010, com foco no sistema político da Alemanha.

Fonte: FolhaPress