Economia
Sexta-feira, 3 de maio de 2024

Neoindustrialização: medidas do governo podem tirar indústria brasileira do atoleiro?

Nova Indústria Brasil (NIB), “mobilidade verde”, depreciação acelerada: governo aposta em subsídios, empréstimos com juros reduzidos e ampliação do investimento, mas reverter desindustrialização é tarefa árdua

“Precisamos de uma política industrial inteligente, para o novo momento da globalização.” Com essas palavras, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) deram a senha, em um artigo publicado em 25 de maio de 2023 (Dia da Indústria), no jornal O Estado de S. Paulo, para aquela que viria a ser uma das prioridades do terceiro mandato do petista no Palácio do Planalto: a chamada “neoindustrialização” do Brasil.

“Mesmo países mais liberais investem em conteúdo nacional: seja para a construção de cadeias produtivas mais resilientes a choques, como o que provocou escassez de insumos na pandemia; seja para dar conta do imperativo da mudança climática, a corrida espacial do nosso tempo”, argumentaram no texto.

Palavra de ordem em discursos de Alckmin, que também é ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, a neoindustrialização, em linhas gerais, é o processo de modernização do setor industrial com base em investimentos em tecnologia e inovação, no compromisso com a sustentabilidade e o meio ambiente e na integração com cadeias produtivas internacionais. O desafio é enorme e, para que saia do papel, a indústria brasileira terá de emergir do atoleiro no qual está mergulhada há décadas.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a contribuição da indústria de transformação (que reúne todo o setor manufatureiro) para o Produto Interno Bruto (PIB) era, em 2020, de pouco mais de 11% – o menor índice em 70 anos. Já a participação da indústria geral – que inclui a indústria extrativa, construção civil e atividades de energia e saneamento – não passava de 20%, também uma mínima histórica.

A desindustrialização do país é um fenômeno antigo, observado pelo menos desde os anos 1980. Entre os principais problemas apontados por especialistas e integrantes do setor, estão o chamado “custo Brasil”, que envolve a elevada carga tributária, a burocracia, a precariedade em infraestrutura, o alto custo de energia e os efeitos da crise sanitária durante a pandemia de Covid-19. O resultado, na prática, é que a indústria brasileira vem “andando de lado” (quando não para trás) e não consegue deslanchar.

‘Neoidustrializar’ o país não é tarefa para um único governo. O setor industrial vem acumulando perdas ao longo de 40 anos, é um processo de longa data”, afirma o economista Claudio Considera, coordenador de Contas Nacionais do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) e um dos responsáveis pelo Monitor do PIB da FGV. “O que é assustador é que a produtividade atual da indústria de transformação é apenas 80% do que era registrado na década de 1980. A produtividade não apenas não cresceu nesse período. Ela caiu.”

Nova Indústria Brasil

Em janeiro deste ano, foi lançado o Nova Indústria Brasil (NIB), que oferece subsídios, empréstimos com juros reduzidos e ampliação de investimentos federais, além de incentivos tributários e fundos especiais para estimular a indústria. A maior parte dos recursos (R$ 300 bilhões) virá por meio de financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii). Os financiamentos do BNDES destinados à inovação serão corrigidos pela Taxa Referencial (TR), que é mais baixa que a Taxa de Longo Prazo (TLP).

“Se você analisar com atenção, é um plano extremamente modesto. Basta ver o que outros setores têm de recursos à disposição, em condições muito mais favoráveis”, afirma o economista-chefe da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Igor Rocha. “Hoje, a indústria paga a maior carga tributária [algo em torno de 42%, ante 20% do setor de serviços e 12% a 15% do agro] e a maior taxa de juros. Não temos um Plano Safra [instituído em 2003 pelo Ministério da Agricultura para fomentar a produção rural], não temos LCI [Letra de Crédito Imobiliário] ou LCA [Letra de Crédito do Agronegócio], não temos CRI [Certificado de Recebíveis Imobiliários] e CRA [Certificado de Recebíveis do Agronegócio], não temos debêntures de infraestrutura… Isso tudo é subsídio, sejam explícitos ou implícitos”, compara.

“As próprias linhas de financiamento do BNDES são todas a custo de mercado. A única linha subsidiada é a da inovação, que, na prática, não é direcionada especificamente à indústria. É uma linha para a economia em geral”, prossegue Rocha. “Dado que é uma linha de inovação e o setor mais inovador da economia é a indústria, pressupõe-se que a maior parte dos recursos vá para o setor. Mas não é uma linha exclusiva.”

Programa Mover

Outra aposta do governo é o Projeto de Lei (PL) 914/24, que cria o Programa de Mobilidade Verde e Inovação (Mover). A iniciativa prevê créditos financeiros para empresas que invistam em pesquisa, desenvolvimento e produção tecnológica, e que também contribuam para a descarbonização da frota de carros, ônibus e caminhões. Ao todo, devem ser oferecidos créditos no valor de R$ 19,3 bilhões até 2028, que podem ser utilizados para o abatimento de impostos federais. O programa estipula a criação do Fundo Nacional para Desenvolvimento Industrial e Tecnológico (FNDIT), com recursos a serem destinados ao setor de autopeças e outros segmentos da cadeia automotiva. O texto ainda não foi analisado pela Câmara dos Deputados.

“Algumas medidas são de curto e médio prazo e outras, mais de longo prazo. Todas elas são essenciais para a retomada da indústria no Brasil. O diálogo com o setor privado é importante porque essas medidas precisam chegar à ponta, que são as empresas”, afirma Samantha Cunha, gerente de Política Industrial da CNI. Em março, a entidade entregou ao Congresso Nacional um documento com uma série de projetos considerados prioritários para o setor que tramitam tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal (veja a lista completa aqui).

Cunha lembra que a indústria brasileira já esteve entre as 10 maiores do mundo, até 2014, e foi superada por países como Indonésia, Turquia, Rússia e México. “Estamos perdendo posições no ranking mundial dos produtores industriais. Hoje, somos a 16ª indústria no mundo. As consequências disso são o baixo crescimento econômico e o aumento das desigualdades. O país sofre com a falta de uma estratégia de desenvolvimento industrial e tecnológico de longo prazo”, observa.

Outro dado relevante, segundo o setor, é o efeito da industrialização sobre os empregos e salários no país. De acordo com dados da CNI, referentes a 2022, cada R$ 1 produzido pela indústria representou R$ 2,43 na economia como um todo (ante R$ 1,75 do agronegócio e R$ 1,49 de comércio e serviços). Grosso modo, os empregos da indústria pagam melhor.

Fonte: InfoMoney