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Quarta-feira, 24 de julho de 2024

A montadora gaúcha Agrale encolheu 64% em seis anos. Agora, aposta no lixo para voltar ao bilhão

A Agrale desbravou diversos setores como pioneira. Situada na cidade de Caxias do Sul, na serra gaúcha, a empresa revolucionou a agricultura familiar brasileira ao lançar os primeiros tratores totalmente nacionais. Ao longo de seus 61 anos de existência, desempenhou um papel crucial na nacionalização da produção de caminhões, motos e ônibus, tornando-se uma indústria com mais de 2.400 funcionários e um faturamento que já ultrapassou a marca de 1 bilhão de reais. Além disso, faz parte do Grupo Stedile, uma holding influente na região e fundadora da Fras-Le.

No percurso de seis décadas da Agrale, contudo, duas crises impuseram mudanças significativas. A primeira ocorreu no final do século passado, quando as flutuações no setor agrícola afetaram o faturamento da empresa. A segunda foi mais recente, causada pela crise econômica a partir de 2013 e uma inflação de frota subsidiada pelo Programa de Sustentação do Investimento (PSI) do governo federal, que resultou na queda das vendas de novos caminhões e ônibus, levando o faturamento a metade do registrado em 2013 até 2016.

“Quando dois terços do mercado simplesmente desaparecem, torna-se difícil manter a estabilidade”, observa Edson Martins, diretor comercial da empresa. “Enfrentamos desafios e tivemos que realizar ajustes necessários”.

Para enfrentar esses desafios, a Agrale buscou novas fontes de receita. Nos anos 1990, quando concentrava esforços no mercado agrícola, diversificou-se ao produzir chassis de ônibus, até então uma área predominantemente estrangeira. Diante da crise atual, adotou duas estratégias: concentrar-se em nichos de mercado e gradualmente incorporar novas tecnologias aos seus produtos, incluindo uma abordagem inovadora derivada do reaproveitamento de resíduos.

Os resultados começam a se manifestar. Após um faturamento de 417,4 milhões de reais em 2020, um terço do registrado em 2013, a empresa experimentou uma ascensão. Em 2021, atingiu 574,8 milhões de reais e, em 2022, alcançou 826 milhões de reais – o melhor desempenho desde 2015. A perspectiva é manter esse valor em 2023, já tendo faturado 402 milhões de reais até junho.

A história da Agrale teve início em 1962, quando era conhecida como Agrisa, Indústria Gaúcha de Implementos Agrícolas, focada na produção de motocultivadores e motores diesel. Após três anos, a empresa foi adquirida por Francisco Stédile e renomeada para Agrale, marcando o início da fabricação de pequenos tratores.

“Ao produzir tratores nacionais, a Agrale contribuiu significativamente para a automação da agricultura familiar no Brasil”, destaca Martins. “Atualmente, é possível encontrar cerca de 7.000 tratores em operação, muitos deles fabricados há quatro décadas”.

Nos anos seguintes, a Agrale expandiu sua atuação no agronegócio, lançando caminhões nos anos 1970 e motocicletas nos anos 1980. Entretanto, a forte ligação com o setor agrícola tornou-se prejudicial durante as crises cíclicas desse mercado.

“Aquela época era marcada por crises no mercado agrícola, um ciclo de dois anos de crescimento seguido por dois anos de declínio. Isso impactou consideravelmente a Agrale, que enfrentou grandes dificuldades financeiras em torno de 1996”, explica o executivo.

Para superar essa crise, o Grupo Stédile foi obrigado a vender a Fras-Le, uma de suas operações mais lucrativas, fabricante de pastilhas de freio e autopeças. Essa venda proporcionou recursos para quitar as dívidas da Agrale e iniciar um redirecionamento voltado para outros nichos de mercado, evitando a excessiva dependência do setor agrícola.

Durante os anos 2000, a Agrale identificou oportunidades em novos nichos, concentrando-se especialmente no segmento de micro-ônibus. Em parceria com a Marcopolo, começaram a apoiar a construção do Volare, o primeiro micro-ônibus totalmente nacional, representando cerca de 25% do faturamento total da Marcopolo.

Simultaneamente, a empresa desenvolveu produtos inovadores, como viaturas 4×4 para forças armadas e tratores que suportam o uso de biodiesel. Entretanto, a crise de 2013 marcou uma queda abrupta na produção automotiva, levando a Agrale a reduzir sua força de trabalho de 2.400 para 800 funcionários. A empresa realizou desinvestimentos em operações não rentáveis, priorizando negócios mais líquidos.

A Agrale superou a crise adotando duas estratégias principais: focalização em nichos de mercado e incorporação de novas tecnologias. Passou a vender chassis de micro-ônibus off-road para o Programa Caminho da Escola, consolidou-se no segmento 4×4 e ofereceu serviços para montadoras terceirizadas. Além disso, apostou em inovações, como a introdução de ônibus movidos a gás metano, explorando uma solução sustentável oriunda do lixo orgânico.

“Identificamos oportunidades que já existem, mas que ainda não foram percebidas por todos. Foi assim com os chassis de ônibus no final dos anos 1990, e estamos repetindo essa abordagem agora”, afirma Martins.

A Agrale enfrenta os desafios atuais com visão de futuro, buscando nichos de oportunidades que podem se tornar mercados relevantes no futuro. A aposta na tecnologia do gás metano, proveniente do lixo orgânico, reflete o compromisso da empresa em inovar e contribuir para soluções sustentáveis no transporte público.

Fonte: Exame