Economia
Quinta-feira, 25 de julho de 2024

Entenda a nova realidade global dos juros

Na última superquarta de 2023, data em que o Banco Central (BC) e o Federal Reserve (Fed) definem as taxas básicas de juros no Brasil e nos Estados Unidos, começou a se desenhar o cenário de 2024 no que diz respeito ao custo do dinheiro pelo mundo. No cenário internacional, corretoras e bancos indicam que a era do juro zero chegou ao fim nos países desenvolvidos e o novo normal são patamares que variam entre 3% e 6%, ante a média de 2% a 4% dos últimos dez anos.

No Brasil o clima é um pouco diferente — e muito distante do zero. A trajetória de queda da Selic deve seguir em 2024, ainda em ritmo lento (mas consistente), como tem indicado o presidente do BC, Roberto Campos Neto.

Na queda de braço com o governo Lula desde antes da posse do petista, o Banco Central subiu a taxa antes dos outros países e segurou a corda tempo o bastante para colocar a inflação no controle. A estratégia ajudou o Brasil a obter resultados positivos de crescimento em 2023.

O problema é que, com a previsão de desaceleração do PIB ano que vem, vai aumentar a pressão por quedas maiores, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já começou a dar o tom. “Nós temos gordura para queimar na política monetária. Nossa taxa de juro real ainda está muito distante do segundo colocado.”

A fala de Haddad se deu durante a reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, conhecido como Conselhão, realizada no mesmo dia em que o Comitê de Política Monetária (Copom) se reuniu para reduzir em 0,50 ponto percentual a Selic, que foi para 11,75% ao ano. “Vamos associar nosso ciclo de corte [de juros] com um ciclo que vai começar a acontecer no mundo desenvolvido a partir de meados do ano que vem. Isso significa que um ciclo virtuoso pode ser iniciado”, disse Haddad.

Esse otimismo é acompanhado pela economista-chefe do banco Inter, Rafaela Vitória. Nas estimativas do banco, a taxa de juro deve terminar 2024 em 9%, um pouco abaixo dos 9,25% esperados pelo Banco Central.

“A inflação sob controle deve permitir que os cortes de juros avancem mais que o esperado pelo mercado.”
Rafaela Vitória, economista-chefe do banco Inter, 

A instituição projeta uma expansão de 1,8% na economia do próximo ano, ante perspectiva de 1,5% do mercado. O ponto de incerteza, segundo ela, segue a questão fiscal. O relatório do Inter diz que “isso pode contribuir para uma convergência mais acelerada da inflação à meta ou ser um fator inflacionário devido à desancoragem das expectativas”.

Para acelerar o processo, Haddad tem trabalhado junto à linha de frente do Congresso. O objetivo é destravar ao menos quatro pautas econômicas, duas delas ainda para este ano. A ordem vem sendo negociada dentro dos gabinetes.

Haddad também disse que o governo vai pagar nas próximas semanas R$ 94 bilhões em estoque de precatórios acumulados após a criação de um teto para essas despesas pelo governo anterior. O governo recebeu aval do Supremo Tribunal Federal para quitar esse passivo sem afetar regras fiscais.

A possibilidade de abater parte do pagamento dos precatórios visa evitar a criação de um passivo tão grande que torne sua execução inviável no futuro, mas só será possível diante da trajetória de queda da Selic.

De acordo com o BC, a cada ponto percentual de redução em ciclos de um ano, o custo da dívida pública encolhe R$ 42,6 bilhões. A título de comparação, a cada ponto percentual perdido da inflação, o custo da dívida cai R$ 18 bilhões.

Para o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)Ilan Goldfajn, as taxas de juros no mundo devem cair à frente, mas não para um nível tão baixo como no passado. “O período das últimas três décadas de juro zero, ou negativo, com inflação controlada, foi excepcional; não é para sempre”, avaliou o ex-presidente do Banco Central.

FED PUXA O FREIO

Isso é exatamente o que indicam os economistas que compõem o Comitê Monetário do Fed (Fomc, na sigla em inglês). Na quarta-feira (13) eles decidiram manter a taxa básica de juros nos Estados Unidos entre 5,25% e 5,50%, na terceira manutenção consecutiva após quatro altas.

De acordo com Jerome Powell, presidente do Fed, a inflação arrefeceu no último ano possibilitando a manutenção, mas a autoridade monetária está atenta aos desdobramentos da economia, em especial no primeiro trimestre. Com a manutenção, a mediana das projeções do Federal Reserve para a variação do PIB dos Estados Unidos em 2023 subiu de 2,1% em setembro para 2,6% em dezembro. Para 2024, por sua vez, a previsão caiu de 1,5% a 1,4%.

De acordo com Goldfajn, presidente do BID, esse comportamento do Fed já era esperado, e a reação de subir os juros enquanto a inflação estava com viés de alta deixou um aprendizado para o mundo. “Aprendemos que demora a cair a inflação. Isso ensina que é preciso ter paciência e persistência.”

Ilan Goldfajn, do BID (Crédito: Walterson Rosa)

“O período das últimas três décadas de juro zero, ou negativo, com inflação controlada, foi excepcional; não é para sempre.”
Ilan Goldfajn, presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)

Paciência e persistência parecem ser as palavras que norteiam a atuação da presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde. Alvo de muita pressão de empresários e políticos, ela tem sustentado uma política monetária mais austera — e o resultado tem aparecido.

Se em setembro de 2022 a inflação no bloco estava em 4,3% ao ano, no nono mês de 2023 havia recuado para 2,9%. “Mas é cedo para comemorar”, disse. Em março de 2016 o BCE colocou a taxa básica de juros em 0% e permaneceu assim até julho de 2022. De lá para cá a taxa bateu em 4,50% e deve continuar nesse patamar mais algumas reuniões. “O juro zero foi importante no passado, mas hoje trabalhamos com outras bases. A economia é outra”, afirmou Lagarde.

Outra quebra de paradigma do juro pode ocorrer no Japão. Por lá, apesar da manutenção da taxa em -0,1% no encontro de setembro, o presidente do Banco Central do Japão (BCJ), Kazuo Ueda, disse que avaliará o desempenho econômico do país no último trimestre deste ano, principalmente na relação iene e dólar, e o juro poderá ser positivo em 2024.

Na China também há um momento único. Apesar de o governo chinês não ser muito claro quanto ao percentual de sua taxa básica de juros, o governo anunciou dia 12 de dezembro que começará em 2024 uma política monetária para apoiar a recuperação da economia. Os termos e abrangência ainda não foram divulgados.

Em setembro, a autoridade monetária do país colocou a taxa básica de juros em 4,20%. Tudo isso faz parte de um movimento inexorável: a economia mundial deu um novo sentido aos juros.

Fonte: IstoéDinheiro