Esportes
Terça-feira, 7 de maio de 2024

Melhor divisão de dinheiro e poder: o que está em jogo na formação da liga do futebol brasileiro

O futebol brasileiro movimenta bilhões de reais por ano. Com vendas de produtos, programas de sócio torcedor e, principalmente, direito de transmissão, as receitas dos clubes brasileiros, como o Flamengo, podem ultrapassar R$1 bilhão.

Apesar disso, os clubes estão de olho em uma fatia ainda maior do mercado mundial para a internacionalização de suas marcas. Para isso, viram a necessidade de formar uma liga para gerir o principal campeonato de futebol do país. 

Para o professor de marketing esportivo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP) Ivan Martinho, o pensamento da negociação em conjunto pode valorizar o produto do futebol brasileiro como um todo, pegando a gestão da mão da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e abolindo a negociação individual dos clubes, como acontece hoje.    

“Modelos de liga em outros países já se mostraram o melhor do ponto de vista econômico. O que os clubes estão tentando fazer é um modelo mais alinhado do que a gente tenta usar por referência que são as principais ligas da Europa e dos Estados Unidos”, disse.  

Clubes se dividiram em duas ligas

No momento, há dois grupos que buscam hegemonizar esse debate: a Libra, que envolve os cinco principais clubes brasileiros em se tratando de torcida: Flamengo, Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Vasco da Gama; e a Liga Forte Futebol (LFF), que conta com membros de peso como Fluminense, Atlético Mineiro, Atlético Paranaense e Fortaleza.

Ambas estão sendo assessoradas por empresas do mercado e já tem propostas de investidores para a aquisição de parte da liga. A LFF informou que há uma proposta na mesa de R$ 4,85 bilhões para uma liga com os 40 clubes da séries A e B do Brasileirão apresentada pela gestora brasileira Life Capital Partners e a norte-americana Serengeti Asset Management. Caso a adesão seja feita apenas pelos 26 clubes da LFF, a proposta é de R$ 2,3 bilhões. A Libra tem negociações adiantadas com o fundo dos Emirados Árabes Unidos Mubadala Capital. Os valores não foram divulgados.

Divisão mais igualitária do dinheiro é a principal diferença

A principal razão pela separação dos dois grupos é a desigualdade na distribuição dos valores das receitas do campeonato, que envolve audiência e colocação no campeonato. Hoje, a diferença entre o clube brasileiro que mais fatura e a menor receita de verbas dentro do campeonato brasileiro é de 5,7 vezes, sendo a maior entre as cinco principais ligas de futebol: Inglaterra, Itália, Alemanha e Espanha. 

De acordo com a proposta da LFF, que a IstoÉ Dinheiro teve acesso, a ideia é diminuir essa diferença para, no máximo, 3,5 vezes. Martinho reforça a ideia de que a divisão seja mais igualitária é importante inclusive para as equipes que mais faturam, já que todos ganhariam com um fortalecimento da competição. 

“Quando você negocia em bloco, o produto não é o clube, o produto é a competição e aí novas regras de equilíbrio podem ser feitas. Se todo os jogos do campeonato tiverem uma audiência alta, isso é bom pra todo mundo. Se você tiver um jogo que dá 30 pontos de audiência mas a média é de 10 pontos, a sua média é baixa. Dentro de campo os times tem que se enfrentar e ganhar do outro, mas fora eles precisam jogar juntos”, afirmou.   

Na proposta dos clubes que fazem parte da LFF, 45% da receita dos clubes da série A seriam divididas de forma igualitária, enquanto 30% irá variar de acordo com a colocação da equipe na edição anterior do Brasileirão e 25% dependeria da audiência e venda de Pay-per-view. 

Já a Libra levou essa demanda para uma reunião do grupo no final de fevereiro e chegou a números idênticos ao da LFF, mais ainda não está claro de como será feita a divisão entre todos os clubes. 

Responsabilidade financeira deve constar nos contratos

A conversa sobre a criação da inédita liga entre clubes brasileiros vem justamente na esteira do modelo da Sociedade Anônima do Futebol (SAF). A lei que permite esse tipo de entidade foi aprovado no Congresso Nacional em 2019, mas, somente a partir do final de 2021, com aquisição do Cruzeiro pelo ex-jogador Ronaldo, ela passou a ser considerada por alguns clubes tradicionais do país. 

Vasco, Botafogo e Bahia são alguns dos exemplos dos clubes que adotaram esse modelo de gestão, quando a administração do futebol é vendida para um grupo ou investidor privado. 

Apesar de não haver a obrigação dos clubes se transformarem em SAF para que a liga saia do papel, o ex-CEO do Botafogo Jorge Braga explica que sem uma mudança que envolva maiores obrigações financeiras dos clubes a criação da liga será insuficiente. 

“Minha grande preocupação é que essa discussão da liga não entrou nas exigências do compliance financeiro e ele é fundamental para sustentação dela em longo prazo. Tem que exigir adesão a uma responsabilidade financeira”, completa Braga.

Streamings no jogo, mas favoritismo ainda é da Globo

O primeiro grande desafio da liga, seja qual for ela, será a assinatura do contrato do Campeonato Brasileiro a partir de 2025, que será firmado no ano que vem. 

Os serviços de streaming já estão dentro da disputa pelos direitos de transmissão de campeonatos nacionais e sul americanos, mas ainda não contam com o Campeonato Brasileiro, sendo o Athletico Paranaense a única exceção. 

Serviços como Prime Vídeo, da Amazon, já tem por contrato jogos exclusivos da Copa do Brasil. Já a principal competição do continente, a Libertadores da América, será transmitida pela Paramount+ em 2023. 

A grande surpresa das transmissões futebolísticas em 2022 foi a Copa do Mundo do Catar transmitida pelos canais do streamer Casimiro na Twitch e no Youtube. Apesar desses players terem cada vez mais espaço no Brasil e o país ser o quinto maior em acesso a internet, Martinho acredita que a Rede Globo, detentora dos direitos de transmissão, é a favorita para a renovação no ano que vem. 

“Os streamings ainda não tem a mesma capacidade da Globo para fazer oferta, porque a  Globo não só tem o histórico de transmissão, o que cria neles uma coragem para fazer propostas maiores, mas tem os clientes, o alcance e a frequência. Ela tem um ecossistema que os outros não tem. Por isso é difícil que esse dinheiro seja trazido por outro player. Isso tudo coloca a Globo em posição de vantagem para fazer ofertas mais agressivas para clubes e federações”, encerrou.

Fonte: IstoéDinheiro