Cultura
Domingo, 13 de outubro de 2024

‘Andor’ busca sisudez em ‘Star Wars’, mas se sai melhor como espetáculo

“Andor” existe em uma fronteira estranha de “Star Wars”, mas sua condição deriva menos do momento da franquia que do feliz acidente dos caminhos encontrados.
Isso porque a proposta da série criada por Tony Gilroy, no frigir dos ovos, não é diferente de produções recentes da Lucasfilm no Disney+. Como “Obi-Wan Kenobi” e “O Livro de Boba Fett”, é um derivado focado em um dos coadjuvantes, o Cassian Andor vivido por Diego Luna em “Rogue One”. Para piorar, é uma origem para um filme que, em si, já era prelúdio de “Uma Nova Esperança”. O “prequel do prequel”, isto é.
A diferença elementar nisso é que, como o longa dirigido por Gareth Edwards já buscava ser o produto mais sério na prateleira da saga, o programa mantém o tom e ensaia virar a versão, digamos, adulta da franquia no streaming. Se vai na contramão dos antecessores, fiéis à percepção da plataforma como voltada à família.
Gilroy reaproveita de “Rogue One” o ângulo do baixo clero vivendo na opressão do Império, mas substitui seu viés de perspectiva, que definiu os melhores momentos do que restou do filme de Edwards, por uma rede de tramoias políticas que envolvem o povo, a rebelião e os subalternos imperiais. A referência maior é o noir, sobretudo o neonoir que habita a fantasia espacial no cinema pelo menos desde “Blade Runner” -o visual do prólogo, inclusive, presta contas ao longa de Ridley Scott.
Mas se a sisudez destaca a série no catálogo, ela não define “Andor” em suas qualidades. Na verdade, a necessidade em se provar como algo elevado é o maior mal da narrativa bagunçada da primeira temporada, que se enrola ainda na adesão à estrutura de filme em 12 capítulos.
O início sofre com tanto a estabelecer em energia morna, e muitos episódios são afetados na falta de pontuação final, terminando de maneira repentina e sem floreios.
Tampouco ajuda que o protagonista seja o elo fraco a unir as elaboradas correntes pensadas por Gilroy e os roteiristas. A ideia é tornar Cassian um coadjuvante da própria história, se concentrando nas dores da rebelião, mas há um ônus de trepidação quando se retorna a ele. Flashbacks da infância traumática e o drama materno (com Fiona Shaw em posição privilegiada) viram desculpas perdidas para preencher tempo, e o arco é esvaziado de propósito.
O programa resiste a esses entraves, porém, pois a estrutura de coral dá luz a tramas que, aí sim, possuem raciocínio. Acompanhar os pequenos atores da rebelião e do Império dá caldo à urgência de “Andor”, mesmo quando há desconexão latente nos núcleos e a trama dá voltas só pela complexificação -como a relação de Mon Mothma (Genevieve O’Reilly) com a irmã ou o que quer que envolva o inspetor de Kyle Soller. É como acompanhar um filme de ficção de Frederick Wiseman, mas tomado por pesada embriaguez e dentro de uma loja oficial de “Star Wars”.
Tudo deriva da lógica do noir, e “Andor” é esperta em não negar essa posição, nos passos de “O Mandaloriano” com o faroeste. A estrutura de blocos, criada para dar conta do “filme expandido”, permite à série se aproveitar de premissas tradicionais (a trama de assalto, a fuga da prisão) como pequenos espetáculos, sem nunca perder de vista as diversas bolas em movimento.
O resultado disso é um registro funcional das grandes operações. Há momentos que o sufoco dos coadjuvantes rende pérolas, como o discurso duro de Luthen (Stellan Skarsgard) a um informante indeciso no décimo episódio. Mas é no clímax dos arcos, lúdicos do jeito que são, que o seriado encontra maior potência.
Nos últimos meses, Gilroy reforçou que o plano é encerrar o programa na segunda temporada, resumindo os quatro ou cinco anos que separam o início do seriado do começo de “Rogue One” nos próximos episódios. Seria uma pena, pois tiraria da produção o refinamento dessa fórmula.
Em um momento do finale, um personagem consola Cassian dizendo que ele é apenas a faísca de chamas que já se espalhavam. “Andor” é reflexo desta analogia –são faíscas que precisam de tempo para virar fogo, um tempo crucial para deixar de ser “experiência” e se entender como série.

ANDOR
Onde Disponível no Disney+
Elenco Diego Luna, Genevieve O’Reilly e Stellan Skarsgård
Produção EUA, 2022
Criação Tony Gilroy
Avaliação Bom

Fonte: FolhaPress