Política
Quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Vice de Haddad, Lúcia França diz que eleger Lula é prioridade da coligação

Vice na chapa do candidato Fernando Haddad (PT), Lúcia França (PSB) diz que, se tivesse que escolher entre a vitória para o Governo de São Paulo e a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para presidente, ficaria com a segunda opção. As duas candidaturas lideram as pesquisas.
“Mas é claro que a gente vai fazer de tudo para a gente estar remando juntos, o estado de São Paulo junto com a Presidência da República”, afirma ela em entrevista à Folha no comitê de campanha do PSB, partido coligado com o PT nos dois níveis.
Casada com o ex-governador Márcio França (PSB), candidato ao Senado, a professora e empresária do ramo de ensino atribui ao machismo as críticas à sua inexperiência na vida pública e diz que não haveria cobrança se a situação fosse inversa –o marido novato de uma mulher estabelecida na política.
A escolha de Lúcia para a posição causou surpresa e estranhamento, com especulações de que sua indicação teria sido imposta por França como parte do acordo em que ele abriu mão de ser candidato a governador para apoiar Haddad. Todos os envolvidos negam a exigência.
Currículo e militância
A educadora, como gosta de ser chamada, explora os rótulos de professora e empresária, já que é dona de escola particular em Praia Grande há 40 anos. Ela trabalhou como presidente de fundo social nas gestões do marido –na Prefeitura de São Vicente, por oito anos, e no governo estadual, por nove meses.
“Eu não me vejo tão inexperiente assim na vida pública. Acompanho o Márcio o tempo todo. Participo da vida pública dele desde que foi candidato pela primeira vez, a vereador. E nunca houve uma decisão dele da qual não participei. Eu me sinto apta a colaborar”, afirma.
Filiada ao PSB há 20 anos, ela também se apresenta como militante partidária. “Sou de esquerda. Sempre, desde menina.” Apoiou as campanhas pelas Diretas Já e pela Constituinte e conta ter aprendido política na teoria e na prática na Igreja Católica, como líder da Pastoral da Juventude.
“Tenho vida, história, vontades próprias. E, apesar de ser mulher do Márcio França, essa é só uma parte da minha história. Tenho muito mais coisas construídas na vida, com autonomia intelectual e financeira.”
Lula lá?
Indagada se a prioridade da coligação em torno do PT é conquistar o Palácio dos Bandeirantes ou o Palácio do Planalto, Lúcia diz: “Se a gente tivesse que escolher, a gente gostaria que o Lula fosse eleito. Porque a gente sabe a responsabilidade que o Lula terá no comando do país, independentemente do partido que esteja abaixo dele [nos estados]. Mas é claro que a gente vai fazer de tudo para estarmos remando juntos, o estado de São Paulo junto com a Presidência da República. Vai dar um caldo bom”.
A vice repisa o discurso da campanha petista de que eleger Lula é salvar a democracia das ameaças do presidente Jair Bolsonaro (PL). “Olha, posso pensar na possibilidade de a gente não estar [governando] no estado, mas não posso pensar na possibilidade de o Lula não ser eleito presidente. Tenho convicção de que o Lula vai ser eleito.”
Haddad cá?
Para a vice, o antipetismo que prejudica Haddad será superado à medida que as pessoas conhecerem o ex-prefeito melhor. “Vamos mostrar quem é e quem foi o Haddad: o melhor ministro da Educação, um homem preparado, com experiência de gestão na maior cidade do país”, elenca.
Sobre os rivais, diz que Rodrigo Garcia (PSDB) é continuidade de João Doria (PSDB), “que aumentou imposto, tirou passe de idoso, negou ajuda a comerciantes quando todos estavam fechando”. E Tarcísio de Freitas (Republicanos) “é o que, quando foi ministro, não fez absolutamente nada para São Paulo e participou de um governo que foi contra o estado”.
Machismo em críticas
“Se no meu lugar fosse um homem com o mesmo perfil: empresário há 40 anos, passou em concurso público aos 18 anos, participou de alguns setores públicos, acredito que não haveria questionamentos”, diz Lúcia em resposta às insinuações de que sua escolha ocorreu unicamente por um arranjo do marido.
A professora se vê diante da “oportunidade de fazer história” em um estado que até hoje só teve homens como governadores e vices.
Feminismo e aborto
Lúcia, que em 2018 disse à Folha ser “bastante feminista”, mas sem radicalismos, mantém a posição. “Digo que não sou radical porque muitas feministas acham que o processo do feminismo não passa pelo gênero masculino, e eu discordo”, justifica ela, que prega necessidade de engajar os homens na luta por equiparação de oportunidades e direitos.
Questionada sobre a descriminalização do aborto, a candidata responde: “Sou totalmente a favor do que a legislação prevê. Até porque não tenho o poder de legislar [como eventual vice-governadora]”. Para a professora, “esse assunto transborda a saúde pública, tem um cunho muito pessoal, religioso, de formação íntima das pessoas”, mas a sociedade pode debater o tema.
Bolsonaro, Lula, França e as mulheres
Ela diz que reconhece pelo olhar um homem violento e que não respeita mulheres –e é assim que enxerga Bolsonaro nas interações no palanque com a primeira-dama Michelle. “[Ele está] a expondo. Do jeito que ele faz, eu, como mulher, me sinto exposta, usada. Não sou bibelô nem bolsa nem apetrecho de ninguém.”
É o oposto do papel da socióloga Rosângela da Silva, a Janja, na campanha de Lula, afirma a pessebista. Ela defende o ex-presidente no caso da fala, explorada pelo rival na propaganda política, de que homem disposto a bater em mulher que “vá bater em outro lugar, mas não dentro da sua casa ou no Brasil, porque nós não podemos aceitar mais isso”. A campanha de Bolsonaro exibiu a frase só até a palavra “casa”.
Segundo a vice, a fala foi distorcida e o petista quis dizer que, se eleito, só terá poder para atuar no território brasileiro. “Não tenho a mínima preocupação em ficar rebatendo esse tipo de coisa. Acho muito pior dizer que ter uma filha mulher é uma fraquejada [fala de Bolsonaro]. Isso, sim, me incomoda.”
“Veja as coisas que ele fala: meu filho nunca vai se casar com uma negra porque eu eduquei bem, prefiro ter um filho morto a um filho gay. Está na cara: o histórico dele é de machismo estrutural”, diz.
Lúcia também sai em defesa do marido pela fala dele em 2018 de que, “quando um casal está brigando, não necessariamente precisaria ter um PM ou dois PMs com viatura, revólver”, criticada por minimizar a violência doméstica. A esposa diz que o então governador quis apenas propor a criação de grupos específicos para esse tipo de ocorrência.
“É claro que, se um homem está agredindo uma mulher, a gente tem que atuar. Mas não precisa ser exatamente essa polícia que está lá no 190. Poderia ser uma polícia especializada para atender esse tipo de situação”, diz ela, que promete levar adiante essa ideia caso vire vice-governadora.
Com PT pela democracia
“Se eu pudesse ser candidata a síndica de prédio para poder combater o Bolsonaro, eu seria neste momento”, diz a pessebista, que vê a democracia “se desmantelando” sob Bolsonaro.
Para isso, juntou-se ao PT, partido do qual já foi crítica no passado. “O fato de já termos estado em espaços diferentes, em lados diferentes, não afeta nossa união neste momento. O Márcio abriu mão de um sonho [a candidatura a governador], porque a gente acha que cada um tem que fazer o seu papel.”
Em aceno a um segmento que, de modo geral, rejeita o PT, ela diz que sua presença na chapa é uma demonstração “de que o Haddad quer dialogar com os empresários, trabalhar junto com eles. A reconstrução de São Paulo passa pelos empresários”.
Mulher na política
Lúcia afirma que seu papel na chapa é chamar a atenção para a participação feminina. Ela endossa a promessa de Haddad de formar um secretariado com paridade de gênero.
Diante de pergunta sobre quem é sua inspiração na política, Lúcia cita três homens: Miguel Arraes, Eduardo Campos e Lula. “Tivemos a Dilma [Rousseff], uma mulher presidente. Ter uma mulher chegando a esse cargo é sempre importante, mas ela não foi uma inspiração para mim como gestora, como política.”

Fonte: FolhaPress