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Sábado, 6 de julho de 2024

Um dos maiores de sua geração, Renato Gaúcho teve 6 minutos em Copas

Quando Sebastião Lazaroni, enfim, resolveu colocar Renato Gaúcho no confronto entre Brasil e Argentina pelas oitavas de final da Copa do Mundo de 1990, na Itália, o lendário locutor esportivo Osmar Santos, na época transmitindo a partida pela extinta TV Manchete, ironizou:
“Está aí Renato Gaúcho, um atacante que vocês nunca devem ter ouvido falar, entrando agora com quase 40 minutos do segundo tempo.”
Faltavam somente 6 minutos para acabar a participação da seleção naquele mundial quando Renato substituiu Mauro Galvão. Um dos maiores pontas de sua geração, o jogador -à época do Flamengo- faria sua única participação em Copas. Teria pouco tempo para evitar que a participação se resumisse aqueles minutos.
Um pouco antes, aos 36, os argentinos abriram o placar graças à genialidade de Maradona. O camisa 10 chegou a ser dúvida para o jogo. Na véspera, ele dizia que sentia dores no corpo inteiro. Isso, no entanto, não o impediu de driblar três brasileiros já na reta final do jogo e servir Caniggia na cara do gol.
Antes que Renato conseguisse dar seu primeiro toque na bola, a tarefa de buscar o empate ficaria ainda mais difícil quando Ricardo Gomes foi expulso. Para impedir Basualdo de entrar livre na grande área e ter a chance de ampliar, o defensor fez uma dura falta por trás.
Desorganizado, buscando o empate na base da pressão, o Brasil passou os minutos finais daquele duelo pagando caro o preço de não ter sido capaz de balançar as redes de Goycochea mesmo finalizando mais do que os argentinos -foram três bolas na trave.
À beira do gramado, enquanto assistia Muller e Careca perderem gols, Lazaroni tinha poucas opções para mudar o jogo, sobretudo, por não poder contar com Bebeto, machucado, e Romário, sem condições físicas de atuar por 90 minutos.
Na véspera do jogo, reportagem do jornal Folha de S.Paulo já alertava para essa dificuldade. Os repórteres Clóvis Rossi e Luciano Borges escreveram na época que o técnico, “de tanto insistir em jogar com apenas dois atacantes, agora, estava condenado a fazê-lo, nem que queira mudar de tática”.
Mesmo com as baixas, o treinador demorou para colocar Renato Gaúcho em campo. Havia um clima ruim entre o comandante e o jogador, que passou boa parte do torneio reclamando da reserva. Lazaroni pagaria um preço caro não só por isso, mas porque acabaria rotulado como o maior culpado do fracasso na Copa.
A eliminação nas oitavas de final foi o pior resultado do país desde a Copa de 1966, quando a seleção caiu na fase de grupos. Após a derrota, Renato Gaúcho disparou críticas para todos os lados.
Primeiro, reclamou do esquema tático. “Como se poderia atacar com um líbero?”, indagou. Sobre Lazaroni, “que não é tão democrático quanto gosta de afirmar”, o atacante manteve o discurso duro. “Como ele é um homem de diálogo, ele ouvia. Só que entrava por um ouvido e saía pelo outro.”
Renato também não poupou os companheiros de time. “Muitos pensavam como eu, mas preferiram ficar em cima do muro. Eu falei, gritei, só faltou eu sair no tapa com o Lazaroni”, disse. “Se nós tivéssemos vencido, estavam todos dando entrevista. É nessa hora que se conhecem os homens.”
Até o então presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), Ricardo Teixeira, foi alvo. “Só o vi uma vez por aqui, no jogo com a Argentina. Depois, o turista sou eu.”
Era como se Renato colocasse para fora toda a frustração que havia guardado por quatro anos, desde a Copa de 1986, quando perdeu a chance de disputar o torneio pela primeira vez.
Na época, ele vestia a camisa do Grêmio. Depois de fazer os dois gols da vitória contra o Hamburgo (ALE) no mundial de clubes de 1983 e de ajudar o time a conquistar o bicampeonato gaúcho em 1985 e 1986, o craque estava no auge de sua performance e havia sido convocado para o Mundial no México.
O atacante, no entanto, acabaria cortado da delegação brasileiro pelo então técnico Telê Santana por um ato de indisciplina.
O atacante, acompanhado do lateral Leandro, outro titular absoluto daquela seleção, participou de uma comemoração às vésperas da viagem para a Copa do México e não voltou para a Toca da Raposa, onde a equipe canarinho estava concentrada, no horário determinado pelo treinador.
Quando a dupla chegou, o dia já tinha raiado e os seguranças do centro de treinamento relataram para o técnico o horário exato que eles retornaram. Furioso, Telê decidiu cortar Renato Gaúcho. Leandro, por sua vez, acabou absolvido pelo técnico, mas renunciou à convocação em solidariedade ao companheiro.
Anos depois, já como técnico, o ex-atacante disse que guardou mágoa do treinador por muito tempo, mas depois fizeram as pazes. Ele, porém, condenou a atitude de Telê. “Eu jamais cortaria um jogador meu se eu soubesse que ele iria me ajudar lá na frente”, disse. “Eu estava voando, com 24 anos, e sabia o quanto poderia ter ajudado o Brasil.”
Renato não jogou em 1986, nem teve tempo de deixar sua marca em 1990. Sem evitar os fracassos, não conseguiu nem sequer uma avaliação sobre seu desempenho em uma Copa do Mundo.
A Folha de S.Paulo e a revista Placar, que costumavam à época atribuir notas para a atuação dos atletas, deixaram o ponta sem avaliação após o confronto com a Argentina sob a mesma justificativa: “ele não teve tempo de modificar a partida”.

Fonte: FolhaPress