Em 2017, os cronistas que tentaram escrever o romance da vida de Emmanuel Macron, na altura um ilustre desconhecido que se elegeu presidente da França do nada, rapidamente se viraram para Lucien de Rubempré, o célebre personagem de Honoré de Balzac.
Personagem principal de “Ilusões Perdidas”, o maior romance da “Comédia Humana”, descrita por Marcel Proust como a obra prima do autor, ele personifica o desejo intemporal do francês comum de triunfar em Paris, a capital transformada em fortaleza inacessível pela França jacobina. A sua adaptação ao cinema, celebrada no país e vencedora de vários prêmios, chegou às salas brasileiras na última quinta-feira (9).
Se a era do sacrifício dos longas metragens no altar das séries televisivas e da globalização dos roteiros acentuou o declínio intelectual do cinema americano, ela provocou uma euforia criativa na produção francesa. Devidamente apadrinhados por Gerard Depardieu, os protagonistas Vincent Lacoste e Xavier Dolan fazem parte da nova geração de atores francófonos que cresceu no esteio de Omar Sy, Léa Seydoux e Jean Dujardin, responsáveis por renovar a presença francesa em Hollywood.
O sucesso de séries como “Dix Pour Cent” abriu as portas das superproduções aos diretores franceses. Com o orçamento quatro vezes superior à média de um filme local, “Ilusões Perdidas” combina a sofisticação do detalhe de um Luchino Visconti e a exuberância de um musical de Anne Hathaway, sem jamais abdicar da crítica social que caracteriza a cinematografia francesa.
Cenas festivas que flutuariam como intervalos publicitários em um filme qualquer são complementadas por poderosas narrativas literárias que decorticam as relações de poder dos personagens envolvidos.
A vontade de tudo explicar, que no limite pode ficar cansativa, parte do desejo do diretor Xavier Gianolli de cutucar a atualidade com um romance histórico. Impossível não ver a sua tentativa de traçar um paralelo entre as tramas dos jornalistas, diretores artísticos e magnatas dos negócios dos mundos da França da Segunda Restauração (1815-1830) e do governo “jupiteriano” de Macron, ambos verticalizados por uma elite convencida do seu vanguardismo.
O efeito de espelho entre passado e presente coloca a sua obra na continuidade do trabalho clássico de Andrzej Wajda, que, em 1983, nas vésperas da celebração do bicentenário da Revolução, produziu “Danton” para denunciar a idealização do mundo soviético pela esquerda ocidental. Conta o New York Times que, no dia da estreia, François Mitterand deixou a sala antes do final para fugir das perguntas sobre a mensagem política do filme.
Emmanuel Macron ainda não se manifestou sobre “Ilusões”, um filme à imagem da França triunfante e global que ele tanto exalta, mas que não deixa de ser uma das críticas mais sofisticadas ao seu reinado. Em todo caso, o nativo da adormecida Touquet já pode dizer que superou Rubempré. A sua professora de juventude virou a mulher da sua vida, e o regresso à província, a humilhação suprema para todos os arrivistas, foi indefinidamente postergado pela sua reeleição.
Porém, os coletes amarelos e os caras pálidas da nova coalizão da esquerda arquitetada por Jean-Luc Melenchon estão aí para lembrar que o sucesso nas arcadas do poder ainda se paga com o ódio das massas. “Ilusões Perdidas” é um filme de época sobre a eternidade dos dramas da vida política francesa.
ILUSÕES PERDIDAS
Classificação 16 anos
Elenco Cécile de France, Vincent Lacoste, Xavier Dolan, Salomé Dewaels, Gérard Depardieu
Produção: França
Direção: Xavier Giannoli
Avaliação: Muito bom
Fonte: FolhaPress/Mathias Alencastro