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Quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Dívida global atinge recorde de US$ 305 tri e escalada de juros ameaça emergentes

Pressionada nos últimos dois anos por gastos relacionados à pandemia, a dívida global de governos, empresas, bancos e famílias atingiu no primeiro trimestre de 2022 o maior patamar de todos os tempos em dólares: US$ 305,3 trilhões.
O recorde se dá ao fim de uma década em que o endividamento mundial subiu sistematicamente acima da taxa de crescimento dos países: para cada US$ 1 a mais em dívida, o PIB global aumentou US$ 0,27 no período, segundo relatório divulgado nesta quarta (18) pelo IIF (Instituto Internacional de Finanças), que reúne 450 bancos em 70 países.
A marca inédita é atingida no momento em que os EUA iniciam um ciclo de aumento das taxas de juros para combater a inflação. O movimento deve encarecer e dificultar, para muitos países, o refinanciamento de seus débitos, sobretudo os denominados em dólar, já que a moeda tende a se valorizar com os juros americanos em alta.
Segundo o IIF, a fatia no endividamento global dos países emergentes se aproxima pela primeira vez de US$ 100 trilhões. Neste ano, eles têm pagamentos combinados equivalentes a US$ 5,5 trilhões –muitos com parcelas significativas em moeda estrangeira.
Argentina e Chile, por exemplo, têm débitos em dólares e euros (de empresas, bancos e governos) equivalentes, respectivamente, a 56% e 62% de seu PIB. A Turquia, com 97%, é o emergente mais exposto a turbulências no mercado internacional.
O Brasil aparece em situação confortável, com dívidas em moeda estrangeira equivalentes a 27,5% do PIB. A maior parcela (15,4%) refere-se ao endividamento de empresas não financeiras. Bancos respondem por 8,2%, e o governo, por 4% –o que limita bastante o impacto da alta de juros global sobre a dívida pública.
No geral, desde o início da pandemia, em 2020, a dívida global dos governos que adotaram políticas para mitigar seus efeitos aumentou em 14 pontos percentuais (US$ 17,4 trilhões) –e pode continuar subindo.
Segundo Clay Lowery, vice-presidente do IIF, a atual disparada nos preços de commodities pode forçar muitos países a elevar gastos para evitar protestos e distúrbios internos, especialmente se o crescimento econômico diminuir daqui para frente –algo esperado pelo efeito do aumento global dos juros.
O atual processo de alta dos juros nos EUA deve ser acompanhado por outros países com problemas inflacionários (como o Brasil já vem fazendo há alguns meses) e para conter saídas bruscas de capital em direção a títulos do Tesouro americano –seguros em momentos de incerteza, e que estão ficando mais atrativos a investidores.
Nos primeiros quatro meses do ano, por exemplo, investidores internacionais se desfizeram de um recorde de US$ 35 bilhões em títulos denominados em yuans chineses atrás de papéis com rendimentos crescentes nos EUA.
Segundo o IIF, a tendência de fuga de investidores para mercados mais seguros vem se acentuando e, para evitar movimentos assim, muitos bancos centrais de países também podem subir juros daqui para frente (para além do combate inflacionário).
“A medida em que os bancos centrais seguirem a tendência de elevar os juros, os custos de refinanciamento das dívidas devem aumentar a vulnerabilidade de alguns países”, afirma o IIF.
O instituto pondera que, embora o endividamento global tenha ultrapassado os US$ 300 trilhões, houve uma redução (de 15 pontos percentuais, em relação ao início de 2021) quando se leva em conta o seu volume em relação ao PIB global.
Mas isso só ocorreu porque a inflação mundial inflou o tamanho das economias, movimento que pode estar com os dias contados por causa dos juros mais altos, da queda no ritmo de aumento de preços e das rupturas provocadas pela guerra na Ucrânia.
“Os efeitos da guerra entre Rússia e Ucrânia devem continuar perturbando a atividade econômica global, e espera-se que o crescimento diminua significativamente neste ano, com implicações negativas para a dinâmica do endividamento global”, diz o IIF.

Fonte: FolhaPress/Fernando Canzian