Estudo conduzido pela Anistia Internacional mostra que trabalhadores do setor de segurança privada que atuam na preparação para a Copa do Mundo do Qatar têm sofrido fortes e constantes abusos de seus empregadores.
Os funcionários, de acordo com a Anistia, são obrigados a extrapolar a jornada de trabalho, não usufruem do dia de descanso semanal e recebem multas salariais, além de serem discriminados racialmente.
A ONG (organização não governamental) que defende os direitos humanos, sediada em Londres, entrevistou 34 empregados, de oito empresas de segurança, para chegar às conclusões.
Elas estão registradas em um documento de 74 páginas intitulado “They Think That We’re Machines” (Eles pensam que somos máquinas), abordado em texto do jornal inglês Express & Star.
“Apesar do progresso que o Qatar fez nos últimos anos, nossa pesquisa sugere que os abusos no setor de segurança privada, que serão progressivamente mais exigidos durante a Copa do Mundo, continuam a ser sistemáticos e estruturais”, diz Stephen Cockburn, responsável pela área de economia e justiça social da Anistia.
As companhias de segurança atuam em vários locais ligados, direta ou indiretamente, ao Mundial, que irá de 21 de novembro a 18 de dezembro.
Seus funcionários estão não só nos arredores e interiores dos estádios de futebol e de outras instalações esportivas, mas em prédios do governo (ministérios), em hotéis e no sistema de transporte.
As empresas têm sob contrato centenas de imigrantes, originários de países africanos, como Quênia e Uganda, ou asiáticos, como Bangladesh e Paquistão, que fornecem mão de obra barata.
O salário mínimo (SM) mensal, pela legislação do Qatar, é de mil riais, a moeda local. Essa quantia equivale a aproximadamente US$ 275 (R$ 1.295). Não é muito, mas está acima do valor do SM no Brasil, de R$ 1.212.
O problema é que, de acordo com o relato de entrevistados, nem todos os funcionários embolsam esse total. A discriminação racial existe e afeta o bolso de quem se origina da África subsaariana (negra) e do sul da Ásia.
Multas sem motivo pertinente também ocorrem, como a para um trabalhador que teve o salário cortado pela metade por, depois de utilizar o banheiro, não arrumar a camisa conforme o padrão.
Pagamentos de horas extras inexistem, mesmo os funcionários tendo de cumprir em alguns casos uma jornada de 84 horas semanais, quando o máximo permitido por lei são 60.
Dos 34 empregados que compuseram o universo do estudo da Anistia, 29 afirmaram que trabalhavam regularmente pelo menos 12 horas por dia.
O dia de descanso semanal não é concedido sempre. Um dos entrevistados -sua identidade, assim como a dos demais, foi preservada-, que emigrou de Bangladesh, declarou que trabalhou três anos seguidos sem uma única folga.
No caso de descumprimento das ordens, os patrões ameaçavam o subordinado, dizendo-lhe que teria o contrato encerrado ou que seria deportado.
Cockburn, da Anistia, diz esperar que a Fifa, entidade máxima do futebol, intervenha e pressione o governo do país-sede do Mundial a tomar medidas mais incisivas. “A Fifa deve usar sua influência para fazer o Qatar cumprir suas leis.”
Os organizadores locais da Copa do Mundo reconheceram, segundo a agência de notícias Associated Press, que três empresas não seguiam as regras de compliance (políticas e diretrizes preestabelecidas) para exercer suas atividades.
“Essas violações são inaceitáveis e levaram à aplicação de uma série de medidas, como a colocação em uma lista de observação, para evitar que atuem em projetos futuros”, disse o comunicado, acrescentando que os contratados serão investigados e eventualmente punidos pelo Ministério do Trabalho qatariano.
Fonte: FolhaPress/Luis Curro