Cultura
Quinta-feira, 7 de novembro de 2024

No Oscar 2022, caminho parece livre para Netflix enfim levar melhor filme

Foram poucas as surpresas na lista de indicados ao 94° Oscar divulgada pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood nesta terça-feira (8). Muitas das expectativas foram confirmadas, bem como o favoritismo de “Ataque dos Cães”, de Jane Campion, que liderou com um total de 12 menções.
Muita coisa pode acontecer até o dia 27 de março, quando a cerimônia acontece de forma presencial, no tradicional Dolby Theatre, em Los Angeles, mas parece que a Netflix nunca esteve tão perto de levar o prêmio mais cobiçado de Hollywood, o Oscar de melhor filme, para casa.
“Ataque dos Cães”, afinal, não só lidera a lista de indicados, como também é o campeão de prêmios da atual temporada, com 217 láureas no currículo, que vão do Globo de Ouro de melhor filme de drama ao Leão de Prata de direção em Veneza, passando ainda por diversos troféus de associações de críticos.
Há três anos o gigante do streaming chega perto do Oscar de melhor filme, conseguindo emplacar produções originais na disputa -“Mank” e “Os 7 de Chicago”, no ano passado, “História de um Casamento” e “O Irlandês”, no retrasado, e “Roma”, antes disso. Mas o Oscar de agora está dominado pelo streaming e, na ressaca das mudanças trazidas pela pandemia à indústria, hoje mais tolerante ao sob demanda, o caminho parece mais livre.
Por ora, “Ataque dos Cães” já fez história, ao marcar a primeira vez em que uma mulher é indicada duas vezes ao Oscar de direção. Se Campion vencer o prêmio, será só a terceira diretora a embolsar a estatueta, depois de Kathryn Bigelow, em 2010, e Chloé Zhao, no ano passado.
A Netflix ainda recebeu quatro indicações para “Não Olhe para Cima”, três para “A Filha Perdida”, duas para “Tick, Tick… Boom!”, uma para “A Mão de Deus”, uma para “A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas”, uma para “A Sabiá Sabiazinha” e mais outra para “Três Canções Para Benazir” -25 no total, mais do que em qualquer outro ano. E ela não está sozinha na bonança do streaming de agora.
Mesmo tendo feito melhor no passado, o Amazon Prime Video conseguiu três indicações com o seu “Apresentando os Ricardos”, enquanto o Apple TV+ abocanhou três para “No Ritmo do Coração” e três para “A Tragédia de Macbeth”. A HBO Max, que lançou “King Richard – Criando Campeãs” ao mesmo tempo que os cinemas, viu o longa ter seis menções, e o Disney+ conseguiu duas para “Cruella”, lançado numa estratégia semelhante, e mais uma para “Luca” e outra para “Raya e o Último Dragão”.
Desses, competem com “Ataque dos Cães” em melhor filme “Não Olhe para Cima”, “No Ritmo do Coração” e “King Richard – Criando Campeãs”. A lista inclui ainda “Belfast” –hoje, talvez, a principal ameaça a Jane Campion–, “Duna”, “Licorice Pizza”, “O Beco do Pesadelo”, “Amor, Sublime Amor” e “Drive My Car”, do japonês Ryusuke Hamaguchi, que conseguiu ainda aparecer nas categorias de melhor direção, roteiro adaptado e filme internacional.
O feito mostra que a Academia está, mais do que nunca, de olho no cinema produzido fora do eixo Estados Undios-Reino Unido, dois anos depois da histórica vitória do sul-coreano “Parasita”. Na categoria de melhor direção, aliás, se o favoritismo de Jane Campion, neozelandesa, se confirmar, este será o quinto ano consecutivo em que o Oscar vai para um cineasta que não é americano.
Essa tendência de abraçar produções estrangeiras, menores, em categorias além da de filme internacional aponta, curiosamente, tanto para uma mudança na mentalidade da Academia, quanto para uma insistência nas tradições. Isso porque houve quem clamasse por “Homem-Aranha: Sem Volta para Casa” nas categorias principais do Oscar, mas o super-herói acabou restrito à disputa de efeitos especiais.
Não foi por falta de investimento da Sony, que lançou campanhas para alçar o título à categoria de melhor filme, e de Tom Holland, estrela que se ofereceu para apresentar a cerimônia deste ano, cutucando o calcanhar de Aquiles da Academia –a decadente taxa de espectadores que acompanham sua festa anual.
Houve quem acreditasse que indicar “Homem-Aranha” traria o Oscar para perto do público médio e de um espectador mais jovem, mas parece que as intenções do herói da Marvel de chegar perto da estatueta principal nunca passaram de um delírio. A vaga de “blockbuster” da temporada acabou indo para “Duna”, que tem muito mais méritos artísticos e acabou se posicionando como um concorrente natural em todas as dez categorias para as quais foi indicado.
Talvez o maior esforço para se tornar uma noite de gala mais popular esteja na categoria de melhor canção original, na qual aparecem a diva Beyoncé, que compôs para “King Richard – Criando Campeãs”, e a nova queridinha da geração TikTok, Billie Eilish, autora do tema de “007 – Sem Tempo para Morrer”. Ambas estão em sua primeira indicação.
Outros dois ícones do pop, no entanto, acabaram esnobados. Ainda na categoria de canção, Ariana Grande tinha chances, ao lado de Kid Cudi, com a sátira musical criada para “Não Olhe para Cima”, e em melhor atriz, Lady Gaga parecia ser uma presença quase certa por seu trabalho em “Casa Gucci”.
Esta foi a corrida mais difícil de prever na temporada, aliás, e Gaga vinha num esforço contundente para conseguir sua segunda indicação ao Oscar de atriz. No fim, as inabaláveis Olivia Colman, de “A Filha Perdida”, e Nicole Kidman, de “Apresentando os Ricardos”, se uniram a Jessica Chastain, de “Os Olhos de Tammy Faye”, Penélope Cruz, de “Mães Paralelas”, e Kristen Stewart, de “Spencer”, que já foi favorita meses atrás, mas vinha sendo preterida em diversos prêmios.
Cruz fez crescer o reconhecimento de talentos hispânicos neste 94° Oscar. Com exceção da disputa de ator coadjuvante, eles estão em todas as seções de atuação, representados ainda por Javier Bardem, de “Apresentando os Ricardos”, em ator, e Ariana DeBose, de “Amor, Sublime Amor”, em atriz coadjuvante.
Ela e Kristen Stewart entraram ainda para um seleto grupo de atores LGBTQIA+ que se identificavam publicamente como tal no momento de sua indicação ao Oscar, enquanto DeBose também se tornou a segunda atriz afro-latina lembrada pela Academia, depois de Lupita Nyong’o.
Em termos de diversidade para os latinos, Lin-Manuel Miranda tenta novamente alcançar o EGOT –ou seja, vencer os quatro principais prêmios de entretenimento americanos, o Emmy, o Grammy, o Oscar e o Tony–, dessa vez com “Dos Oruguitas”, canção de “Encanto”.
Outras conquistas que valem ser lembradas são a de Troy Kotsur, que com “No Ritmo do Coração” se tornou o primeiro ator surdo indicado ao Oscar –Marlee Matlin foi a primeira atriz, e venceu em 1987–, e a de “Flee”, longa dinamarquês que conseguiu, com ineditismo, ocupar as categorias de melhor filme internacional, animação e documentário.
Novamente, muita coisa pode acontecer nos quase dois meses que separam o anúncio dos indicados da cerimônia, mas, por enquanto, o Oscar não promete um ano com tantas surpresas, se mantendo fiel ao que críticos, festivais e prêmios paralelos ajudaram a definir como os queridinhos da temporada.

Fonte: FolhaPress/Leonardo Sanchez