Internacional
Sexta-feira, 3 de maio de 2024

Jovens cubanos se refugiam na religião Abacuá em ano de pandemia

De joelhos, com os olhos vendados, cinco jovens ouvem bênçãos em iorubá, língua trazida pelos escravos africanos há mais de quatro séculos, enquanto juram ser valentes, bons pais, filhos e amigos, respeitosos e íntegros: são os novos abacuás, um culto cubano único na América Latina.

Dificuldades econômicas e a pandemia de covid-19 levaram muitos jovens cubanos a se refugiarem na religião, inclusive neste culto que nasceu como uma irmandade de proteção entre escravos carabalis que trabalhavam como estivadores no porto de Havana há quase 200 anos.

“Com este problema da pandemia, cresceu muito, temos muita fé”, disse à AFP Juan Ruiz Oña o yamba, a segunda autoridade do templo, identificado pelos abacuás como Efi Barondi Cama.

A cerimônia íntima, à qual têm acesso apenas os abacuás e os seus convidados, decorre no bairro Simpson, caracterizado pela presença de vários dos seus templos e localizado na zona oeste da cidade de Matanzas.

Com um galo na mão, El Ireme ou “diabinho” se encarrega de limpar os iniciados.

Este abacuá vestido com uma imponente roupa de demônio passa o pássaro pelos corpos ajoelhados para eliminar o mau, antes de entrarem na sala sagrada onde é realizada a cerimônia secreta de juramento.

O “diabinho”, que dança estimulado pelas canções e ritmos dos tambores sagrados, representa a presença dos antepassados.

“Contribuir com nossos irmãos”

Estima-se que existam em Cuba cerca de 130 poderes, jogos ou plantas, nome indistinto para esses grupos compostos apenas por homens heterossexuais, que com o tempo perderam seu caráter secreto, mas não suas regras e princípios rígidos, entre eles a proteção do “ecobio”, seu irmão de fé.

Junto com a Santeria cubana ou Regla de Ocha e o Palomonte ou Regla Conga, o culto Abacuá é uma das principais religiões de matriz africana com força na ilha, mas, ao contrário das outras duas, é exclusiva de Cuba.

“Nesta pandemia, que já dura vários anos, procuramos contribuir com os nossos irmãos, porque alguns morreram, outros ficaram doentes”, explica Ruiz.

Como muitos cubanos, os abacuás também emigram e enviam ajuda para seus ecobios necessitados do exterior.

“Somos uma instituição construtiva, contribuímos com nossa revolução e com nossa juventude”, acrescenta Ruiz, estabelecendo sua posição em relação ao processo político em Cuba.

O governo socialista cubano se considerava ateu até 1990, mas quando o bloco soviético desapareceu tornou-se um Estado laico.

Sociólogos estimam que 85% dos 11,2 milhões de cubanos praticam alguma religião, muitas vezes cultos que sincretizam as crenças africanas com as cristãs.

Com o mesmo espírito de 200 anos atrás, trata-se de “ajudar cada homem, cada criança, cada idoso. Temos um orçamento e através dele ajudamos uns aos outros”, diz Ruiz, enquanto os tambores sagrados batá impõem o ritmo cadenciado.

Fonte: IstoéDinheiro