Internacional
Terça-feira, 5 de novembro de 2024

Portugal deve antecipar eleições após Parlamento reprovar Orçamento

O Parlamento de Portugal reprovou na tarde desta quarta-feira (27) a proposta do Orçamento para 2022 apresentada pelo governo. Assim, o presidente Marcelo Rebelo de Sousa deve dissolver a Assembleia da República e convocar eleições legislativas antecipadas.
A rejeição ao projeto orçamentário apresentado pelo primeiro-ministro António Costa, do PS (Partido Socialista), já era esperada. O PCP (Partido Comunista Português) e o Bloco de Esquerda, legendas que viabilizaram o governo nos últimos anos, já haviam anunciado que votariam contra a proposta.
Foram 117 votos contrários ao Orçamento, 108 a favor do texto e 5 abstenções.
Embora a dissolução do Parlamento não seja obrigatória em caso de reprovação do Orçamento, o presidente português reiterou diversas vezes nas últimas duas semanas que optaria por essa alternativa.
Nos últimos 20 anos, Portugal teve eleições antecipadas em três ocasiões: 2001, 2004 e 2011.
Como não se trata de um processo automático, Rebelo de Sousa terá de respeitar um longo trâmite de formalidades. Elas incluem um encontro com o atual premiê e o presidente da Assembleia da República, que estava agendado para a noite desta quarta; reuniões com representantes dos partidos políticos, marcadas para o sábado (30); e a convocação do Conselho de Estado, na semana que vem -esse órgão consultivo reúne ex-presidentes, chefes do Legislativo e do Judiciário, lideranças regionais e representantes dos cidadãos.
Respeitados os prazos estabelecidos na Constituição e todo o rito, os portugueses não devem ir às urnas antes de 8 de janeiro.
Ao final da votação, Costa fez um pronunciamento breve, sem abrir espaço para perguntas de jornalistas. “O governo sai dessa votação de consciência tranquila e de cabeça erguida”, disse o premiê. “Cá estaremos para respeitar o que resultar da decisão do presidente da República.”
O debate que antecedeu a votação do Orçamento teve trocas de acusações acaloradas entre deputados governistas e representantes de outras siglas. Líder parlamentar do PS, a deputada Ana Catarina Mendes apontou o dedo sobretudo ao Bloco de Esquerda, que acusou de mentir.
Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, por sua vez, culpou o PS pelo fim da união à esquerda. “É preciso um caminho de compromisso. Fizemos [em 2015] um contrato para quatro anos, um acordo que o premiê dispensou nesta legislatura. A geringonça foi morta pela obsessão pela maioria absoluta.”
A reprovação do Orçamento socialista significa o fim da inédita aliança de esquerda que possibilitou a chegada de Costa ao poder, em novembro de 2015. Apelidada de “geringonça” devido à sua aparente fragilidade, a coalizão pós-eleitoral formada pelo Partido Socialista, pelo Bloco de Esquerda e pela CDU (coligação dos comunistas e do Partido Ecologista Os Verdes) resistiu aos quatro anos da legislatura.
Em 2019, embora não tenha obtido maioria absoluta (foram 108 assentos entre os 230 da Assembleia), os socialistas optaram por não formalizar um acordo com outras legendas, negociando individualmente em cada votação. Nos dois últimos Orçamentos, o governo já havia tido dificuldades para chegar à aprovação.
Embora represente o fim da geringonça, o projeto rejeitado é considerado por analistas a proposta de Orçamento mais à esquerda já apresentada pelo atual governo. O texto incluía aumento de investimentos no Serviço Nacional de Saúde, alterações no imposto de renda e mais apoios a crianças e famílias.
Representantes do PCP e do Bloco de Esquerda defendiam, no entanto, que o governo oferecesse mais aos portugueses. Alguns dos principais pontos de divergência foram na legislação laboral e no aumento do salário mínimo nacional. Em debate no Parlamento na terça (26), Costa admitiu que o fim da geringonça seria “uma frustração pessoal”. “Não tenho nenhum pudor em reconhecê-lo”, completou.
Na avaliação de Francisco Pereira Coutinho, professor da Universidade Nova de Lisboa, o presidente Marcelo Rebelo de Sousa tem boa parcela da responsabilidade sobre o atual impasse político.
“Todo o problema nasce porque o presidente português diz que vai dissolver a Assembleia se o Orçamento não for aprovado. O poder de dissolução é discricionário. O presidente resolver dizer isso para condicionar o debate orçamental, para forçar os partidos à esquerda a um entendimento, dizendo que existiriam consequências políticas imediatas se não se aprovasse o Orçamento”, afirma ele.
“As últimas notícias que temos são de que o presidente já está a falar individualmente com deputados, o que coloca em causa o princípio da separação de Poderes, porque o presidente de Portugal tem uma espécie de poder moderador e não deve ter uma intervenção tão direta no processo político.”
Esta foi a primeira vez, considerando-se os 22 governos eleitos pelos portugueses desde a Revolução dos Cravos (1974), que um Orçamento de Estado foi rejeitado no Parlamento.
Em 1979, durante um governo de iniciativa presidencial -com o primeiro-ministro indicado pelo presidente-, um plano paralelo ao orçamento chegou a ser rejeitado, mas acabou aprovado após pesadas modificações.
Costa já antecipou que não renunciará. O atual premiê será também o candidato dos socialistas para o cargo de primeiro-ministro caso as próximas eleições sejam confirmadas.
Nos partidos à direita, no entanto, a situação é mais incerta. O principal partido da oposição, o PSD (Partido Social-Democrata) passa por uma disputa na liderança que só deve se encerrar em dezembro. O CDS-PP, também de direita, enfrenta uma contestação interna de seu líder.
Na avaliação de analistas, a futura composição da Assembleia da República ainda é incerta. Resultados das últimas pesquisas e das eleições municipais, ocorridas em setembro, indicam uma vitória do PS, mas apontam também um potencial de crescimento à direita, sobretudo dos partidos menores, como o Chega (ultradireita) e a Iniciativa Liberal.
O cenário, porém, ainda é considerado pouco claro.
No pleito municipal, que pode ser considerado um termômetro político do país nesse momento, embora tenha conquistado o maior número de câmaras municipais (equivalentes às prefeituras), o PS perdeu cidades importantes.
A derrota mais emblemática foi em Lisboa, que passou para as mãos dos sociais-democratas.
Os socialistas, no entanto, têm a seu favor a alta aprovação popular de António Costa, o baixo nível de desemprego (que já retomou a patamares pré-pandemia) e a situação controlada da pandemia. Com 86% da população completamente vacinada, o país praticamente acabou com as restrições relacionadas à Covid-19.

Fonte: FolhaPress/Giuliana Miranda