Destaques
Sexta-feira, 3 de maio de 2024

Não é igual no mundo todo: inflação no Brasil deve fechar ano maior que a de 83% dos países

A inflação é um problema global – mas não é igual no mundo todo. No Brasil, ela deve encerrar o ano maior que a de 83% dos países, segundo um levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

Os dados utilizados pelo estudo do Ibre foram colhidos do último relatório “World Economic Outlook”, elaborado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e divulgado na semana passada – e que alertou para os riscos da alta generalizada de preços.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem afirmado que a alta da inflação é um fenômeno global, e que o Brasil não estaria fora do ‘padrão’.

“PAÍSES QUE TINHAM ZERO [DE INFLAÇÃO], AGORA ESTÃO EM 4%, 5%. PAÍSES QUE TINHAM 4%, 5%, AGORA ESTÃO EM 8%, 9%. ISSO ACONTECE, MAS TEM DE HAVER RESPOSTA POLÍTICA”, AFIRMOU ELE NO INÍCIO DESTE MÊS.

Os dados mostram, no entanto, que o patamar de inflação por aqui supera – em muito – o visto na maior parte do exterior. E, segundo o diretor do Banco Central Bruno Serra, está em um “nível muito elevado” até para o Brasil, acostumado com pressão sobre os preços.

Estimativas

A estimativa do FMI é a que a inflação brasileira encerre o ano em 7,9% – no acumulado de 12 meses até setembro, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) chegou a 10,25%. Se a projeção do fundo se confirmar, o Brasil vai registrar uma inflação bem acima da apurada entre os países emergentes (5,8%) e também da média mundial (4,8%).

Todos os anos, nos meses de abril e outubro, o FMI atualiza as suas projeções para diversos indicadores macroeconômicos, como inflação, Produto Interno Bruto (PIB) e investimento, para um grupo de quase 200 países.

Ranking da inflação — Foto: Economia g1

O levantamento deixa evidente que a piora da inflação tem sido mais intensa no Brasil que no restante do mundo. No relatório de outubro do ano passado, por exemplo, a previsão era que a nossa economia teria uma inflação maior que a de 57% dos países. No relatório de abril, esse patamar subiu para 70%. E agora está em 83%.

“O QUE AGRAVA A SITUAÇÃO DO BRASIL É A NOSSA MOEDA, QUE SEGUE DESVALORIZANDO MAIS DO QUE A MÉDIA DAS OUTRAS DIVISAS”, AFIRMA ANDRÉ BRAZ, PESQUISADOR DO IBRE.

A previsão do FMI para a inflação brasileira pode ser considerada conservadora. No relatório Focus, divulgado semanalmente pelo Banco Central, os analistas consultados estimam um IPCA de 8,69% para 2021. Nesse cenário, a alta de preços no Brasil supera a de 86% das nações.

Inflação é problema global

Quase todos os países passaram a lidar com uma alta de preços mais intensa neste ano.

Com a retomada da economia, depois de superada a fase mais aguda da pandemia, a cotação das commodities subiu e se somou ao desarranjo nas cadeias de produção – a crise sanitária paralisou ou reduziu a produção em muitos setores industriais. Essa interrupção provocou uma escassez de produtos, pressionando os custos em todo o mundo.

“O MUNDO ESTÁ SE RECUPERANDO MAIS RAPIDAMENTE POR CAUSA DOS ESTÍMULOS FISCAIS ADOTADOS PELAS GRANDES ECONOMIAS. SÃO INVESTIMENTOS IMPORTANTES PARA AQUECER A ATIVIDADE”, AFIRMA BRAZ. “MAS O EFEITO COLATERAL DESSE AQUECIMENTO RÁPIDO É UMA BUSCA MUITO GRANDE POR RECURSOS DE COMMODITIES, COMO PETRÓLEO E CARVÃO.”

A piora do quadro inflacionário em todo o mundo fica evidente no aumento das projeções do FMI – entre os relatórios de outubro de 2020 e deste ano. Aqui, também fica claro que a disparada da inflação no Brasil foi mais intensa do que no restante dos países.

Por que no Brasil é pior?

Desde o ano passado, a inflação brasileira passou a ser pressionada pela alta dos preços dos alimentos, resultado justamente da valorização das commodities.

Em tese, a alta das commodities deveria fazer com que o real se valorizasse em relação ao dólar, ajudando no combate à inflação. Isso porque o Brasil é um grande exportador de produtos básicos, como soja e milho. Portanto, a entrada de dólares no país deveria fortalecer a moeda brasileira. Mas esse cenário não tem se confirmado: o real segue desvalorizado diante das incertezas nas áreas fiscal e política.

A CAUSA PARA A TAXA DE CÂMBIO APRECIAR EM VEZ DE DEPRECIAR FOI PROVOCADA PELA CRISE INSTITUCIONAL E POR UM CERTO FLERTE COM A IRRESPONSABILIDADE FISCAL“, AFIRMA LUIZ FERNANDO FIGUEIREDO, CEO DA MAUÁ CAPITAL E EX-DIRETOR DO BC. “ESSAS DUAS INCERTEZAS GERARAM UMA PERCEPÇÃO DE RISCO DOS INVESTIDORES SOBRE O BRASIL MAIS ALTA, E A TAXA DE CÂMBIO DEPRECIOU.”

O Brasil ainda lida com uma forte alta dos preços dos combustíveis e da energia elétrica. Em agosto, o governo e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) anunciaram a criação da bandeira tarifária “escassez hídrica”, a mais cara desde a criação do sistema de bandeiras, em 2015.

O objetivo é compensar o custo do uso das termelétricas na geração de energia no país, em razão da ausência de chuvas, que vem reduzindo o potencial das hidrelétricas.

Juros em alta e crescimento em queda

Com a inflação em dois dígitos, o Banco Central tem sido obrigado a subir a taxa básica de juros (Selic) para tentar conter a escalada dos preços.

Na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), a Selic subiu 1 ponto percentual e alcançou 6,25%. Os analistas avaliam que mais aumentos devem vir pela frente. No relatório Focus, a previsão é que os juros encerrem o ano a 8,25%.

“O Banco Central está subindo os juros de 1 ponto percentual em 1 ponto. É uma alta forte. E ele está dizendo que vai (subir) até onde precisar”, afirma Figueiredo. “Aos números de hoje, a Selic deve ficar entre 8,5% e 8,75%.”

Quando o BC sobe os juros, ele quer esfriar a economia, retardando o consumo das famílias e o investimento das empresas, com o objetivo de conter a escalada dos preços. Na prática, todo esse movimento da política monetária faz com que a economia cresça menos. Não à toa, já há economistas projetando um avanço do PIB abaixo de 1% em 2022.

“À MEDIDA QUE A GENTE TEM QUE FORÇAR O AUMENTO DE JUROS PARA CONTER AO MÁXIMO O ESPALHAMENTO DAS PRESSÕES INFLACIONÁRIAS – AINDA QUE NÃO SEJAM POR DEMANDA, MAS POR FATORES DE CUSTOS DE PRODUÇÃO, ENERGIA E PETRÓLEO -, ISSO GERA UM DESAFIO PARA O ANO QUE VEM”, DIZ BRAZ.

“O efeito colateral desse aumento de juros é exatamente ter um crescimento econômico menor. Você está convencendo os agentes econômicos a adiar o investimento, que é fundamental para ter geração de emprego. E está tentando convencer as famílias a não comprar carro, apartamento, a não viajar”, acrescenta.

Fonte: G1