Cultura
Domingo, 19 de maio de 2024

‘Poso Wells’ discute silêncio da sociedade quanto a crimes contra as mulheres

 Poso Wells não aparece nos mapas. Mas essa cidade imaginária, localizada no litoral, próxima à portuária Guayaquil, é uma metáfora para tratar a relação entre sociedade e poder na América Latina.
No romance da escritora equatoriana Gabriela Alemán, um político em campanha arde no palco depois de ser eletrocutado por um incêndio causado por cabos soltos misturados à sua própria urina, enquanto seu candidato à vice desaparece, aparentemente sequestrado por um grupo de pessoas cegas.
Um jornalista que acompanha o evento tenta elucidar o que aconteceu e se encontra com um segredo da cidade que perdura desde o século 19.
O livro de Alemán, lançado pela ParaLeLo13S de Salvador, terá lançamento neste sábado (21), às 17h, num bate-papo com a autora que será transmitido pelo canal de youtube da livraria Boto-Cor-de-Rosa, de Salvador.
“Eu queria que este fosse um romance por entregas, publicado em jornal, como fazia Charles Dickens, no século 19, como se faziam com histórias policiais no passado. Levei os primeiros capítulos a um importante jornal de Quito, mas me disseram que ‘não’ como se eu estivesse louca. Então fui para casa e terminei o livro”, conta Alemán à reportagem.
De fato, a história, cheia de suspense e viradas de roteiro, se prestaria bem para uma publicação como a autora desejava. “Poso Wells” mistura sátira política, ensaio e jornalismo. Foi escrito e terminado em 2007, quando uma grande transformação ocorreria no Equador com a eleição de Rafael Correa –que governou por dez anos e implementou uma agenda de centro-esquerda e populista no país.
“Poso Wells” deu projeção internacional a Alemán, que foi então convocada para o festival Bogotá39, com os melhores narradores latino-americanos com menos de 39 anos, no mesmo ano.
“Os personagens mais caricatos da política equatoriana e latino-americana estão representados no livro, e também como o poder e a mídia se relacionam. Naquela época eu frequentava redações, estava trabalhando com jornalismo, e quis retratar um pouco como eram as relações nesse ambiente”, afirma.
“Como pano de fundo, está o tema das mulheres que desaparecem na costa do Equador há décadas, vítimas de crimes sexuais. Eu esperava que, passados os anos, esses estereótipos e problemas estivessem superados. Infelizmente, o livro continua sendo muito atual”, complementa.
A morte do político em campanha é presenciada pelo jornalista Gonzalo Varas, que, ao tentar investigá-la, se dá conta de um mistério ainda mais espinhoso, o fato de que, naquele porto caribenho, mulheres desaparecem de forma misteriosa há várias gerações.
Suas tentativas de trazer a verdade à tona se deparam com dificuldades para convencer seus editores sobre a importância do fato e o silêncio da própria sociedade, que de certa forma era cúmplice de um crime perpetrado por décadas. Suas matérias sobre o caso compõem a narrativa, entrelaçando-se com a narrativa principal.
Nascida no Rio de Janeiro, Alemán viveu na Suíça, no Paraguai e nos Estados Unidos, onde fez seu doutorado na Universidade de Tulane, em Nova Orleans. “Poso Wells” foi traduzido ao inglês e obteve excelente recepção da crítica.
“Estou muito feliz de que saia agora no Brasil, porque nasci no Brasil e tenho um vínculo forte, embora tenha deixado o país muito jovem”. A obra dialoga também com obras mais recentes suas, como “Humo”, que se passa no Paraguai e trata da ditadura de Alfredo Stroessner.
Atualmente, está trabalhando em um romance gráfico sobre a primeira mulher a votar no Equador, uma vez que em 2021 se completam 100 anos de sua formatura. Também organiza um projeto de mapeamento sobre a literatura latino-americana a pedido da Universidade de Tulane, que pode ser consultado no site https://exhibits.tulane.edu/exhibit/writers/.

POSO WELLS
Quando: 21 de agosto, às 17h
Onde: YouTube da livraria Boto-cor-de-rosa
Preço: R$ 49,90 (170 págs.)
Autor: Gabriela Alemán
Editora: Paralelo13S

Fonte: FolhaPress/Sylvia Colombo