Com o avanço da vacinação contra a Covid-19, a economia brasileira caminha para um cenário mais positivo no segundo semestre, apontam analistas. A imunização tende a favorecer a retomada do setor de serviços, que sofreu mais na pandemia com as restrições adotadas para conter o coronavírus.
A perspectiva de alívio, contudo, não elimina todos os riscos do cenário dos próximos meses. Nesse sentido, tensão política, desemprego em alta e inflação pressionada pela crise hídrica podem frear o ritmo de retomada do PIB, dizem analistas.
A prestação de serviços responde por cerca de 70% do PIB (Produto Interno Bruto) pela ótica da oferta. O setor também é o maior empregador do país, reunindo grande variedade de negócios -de bares, restaurantes e hotéis a instituições financeiras e de ensino.
A pesquisadora Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), concorda com a leitura de que a vacinação tende a gerar um cenário mais positivo no segundo semestre.
A economista destaca que a melhora do setor de serviços pode beneficiar o mercado de trabalho, bastante abalado pela pandemia. Entretanto, fatores como a inflação em alta e as incertezas sobre o comportamento de variantes do coronavírus deixam o alerta ligado.
“A visão é mais otimista, sim, mas existem riscos”, diz Silvia. “Temos vários ingredientes que, dependendo de como se misturarem, podem gerar uma combinação mais positiva ou negativa”, completa.
Mesmo com esses riscos, o mercado financeiro tem elevado as projeções de crescimento da economia em 2021, na esteira do avanço da imunização e de menores restrições a atividades.
Conforme a edição mais recente do boletim Focus, divulgada na segunda-feira (12), a estimativa de alta do PIB passou de 5,18% para 5,26% neste ano. Foi a 12ª elevação em sequência. O relatório reflete semanalmente a avaliação de analistas consultados pelo BC (Banco Central).
O governo federal também pegou carona na onda mais otimista. Nesta quarta-feira (14), a equipe econômica revisou projeção de crescimento do PIB em 2021, de 3,5% para 5,3%.
“A imunização está começando a alcançar as pessoas com uma vida social mais agitada. Isso dá um impulso para o PIB, porque serviços dependem mais da relação pessoal com os consumidores. A vacinação traz confiança”, diz Alex Agostini, economista-chefe da agência de classificação de risco Austin Rating.
“Por outro lado, o país tem um ambiente fiscal duvidoso, com inflação e desemprego fortes, e a CPI da Covid expõe o governo”, pondera.
Nesta quarta-feira, também houve a divulgação do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br). O indicador, que serve como termômetro da atividade econômica, registrou queda de 0,43% em maio, frente ao mês anterior.
Para Alexandre Espirito Santo, economista da Órama e professor do Ibmec-RJ, o resultado sinaliza que a atividade ainda encontrava desafios para a retomada. Na visão dele, a tendência é de uma melhora nos meses seguintes, em razão do avanço da vacinação.
A retomada, contudo, pode ser freada pelos riscos que seguem no cenário, incluindo inflação e desemprego em níveis altos.
“Ainda existem algumas interrogações. O PIB brasileiro depende de serviços. Para o setor ganhar força, é necessário que as pessoas consigam sair de casa. Isso pode ajudar no segundo semestre. Mas também é necessário que elas tenham emprego”, salienta.
No meio empresarial, já há relatos mais otimistas de setores que sofreram com a chegada da pandemia. É o caso de bares e restaurantes.
Paulo Solmucci, presidente-executivo da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), afirma que a imunização e o menor nível de restrições provocaram melhora nos negócios nos últimos meses.
“Primeiro, é preciso dizer que a melhora é em cima de uma base de comparação muito baixa”, afirma Solmucci. “As restrições estão menores. A reabertura [de bares e restaurantes] foi possível por causa da vacina”, emenda.
Segundo ele, existem estabelecimentos que já estão operando com nível de faturamento nominal (sem considerar a inflação) equivalente a mais de 90% do registrado em 2019. “O consumidor que voltou está gastando mais. Está se dando um presente na pandemia”, relata.
Em junho, o ICC (Índice de Confiança do Consumidor) subiu 4,7 pontos no país, para 80,9 pontos. É a maior marca desde novembro de 2020, conforme o FGV Ibre.
Já o ICE (Índice de Confiança Empresarial) avançou 4,3 pontos frente a maio, para 98,8 pontos. Trata-se do patamar mais elevado desde dezembro de 2013. O indicador também é divulgado pelo FGV Ibre.
Outro setor que aponta melhora recente nos negócios é o de turismo. Roberto Nedelciu, presidente da Braztoa (Associação Brasileira das Operadoras de Turismo), diz que a procura por viagens tem crescido com a vacinação.
Caso não haja nova piora da crise sanitária, as operadoras tendem a recuperar o nível de vendas do pré-pandemia no segundo trimestre de 2022, conforme Nedelciu. Antes, esperava-se que a retomada desse patamar ocorresse só no terceiro trimestre do próximo ano, acrescenta o dirigente.
“Com a pandemia, as pessoas estão procurando destinos mais abertos, fora dos grandes centros urbanos”, conta.
Durante a crise sanitária, enquanto a prestação de serviços foi prejudicada, setores como a agropecuária continuaram no azul. O bom momento do campo causa reflexos positivos em atividades como a indústria de máquinas e equipamentos, que projeta fechar 2021 com crescimento total de 18%. A estimativa é da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos).
“O setor vai continuar crescendo”, afirma José Velloso, presidente-executivo da Abimaq.
Segundo o dirigente, o desempenho da indústria extrativa, beneficiada pela procura por commodities no mercado internacional, também vem incentivando a venda de máquinas e equipamentos no país.
Fonte: FolhaPress/Leonardo Vieceli