Considerados em conjunto, seis novos espaços de arte abertos nos últimos meses em São Paulo apontam para o atual momento do mercado. Enquanto a região central, que vem passando por um processo de gentrificação há alguns anos, se estabelece agora como polo de compra de obras e descoberta de jovens artistas, os Jardins, ponto de tradicionais galerias paulistanas, vê novo impulso com a ocupação de duas casas da vila modernista de Flávio de Carvalho.
A formação de novos nomes para o circuito é o foco da Usina Maluf, um galpão de 500 metros quadrados com paredes de tijolo aparente na rua Brigadeiro Galvão, na Barra Funda. Fundado e financiado pelo galerista Luis Maluf, o local oferece um programa de residência para artistas em início de carreira, com duração de seis meses e exposição das obras produzidas no próprio espaço no final do processo.
Além de oferecer mesas de trabalho, o programa facilita a troca entre os artistas e tem acompanhamento crítico e educacional, colocando os jovens profissionais em contato com nomes conhecidos do circuito, segundo Maluf, a exemplo de Carolina Laureano, a curadora responsável pela primeira turma, com sete alunos que se dedicam sobretudo à pintura. Maluf diz ainda que a Usina também deve abrigar mostras de arte de caráter menos comercial.
Ter mais tranquilidade com o mercado é também o espírito do espaço Delirium, no bairro vizinho à Usina Maluf. Situado num sobrado na Vila Buarque, o local vai mostrar trabalhos mais experimentais, de artistas que saíram há pouco da universidade ou que já têm alguma formação mas que não estão ainda inseridos no circuito, dizem os fundadores, os artistas Bruno Baptistelli e Tiago Malagodi, acrescentando que vendas podem ocorrer, mas não são o foco.
Como o espaço é tocado por artistas, “ele vem em primeiro plano, cada artista vai nos dizer o que precisa”, afirma Malagodi. Estão previstas seis exposições por ano –a primeira, em cartaz até o dia 17 de julho, é uma individual da amazonense Manauara Clandestina, realizada com apoio do Instituto Inclusartiz. Em fotos e vídeos, a artista afro-indígena traz uma obra biográfica abordando questões da vida travesti.
Com elenco de artistas de comunidades minoritárias ou historicamente menos presentes no circuito de arte, a galeria HOA inaugurou em junho sua sede física, a três minutos a pé do espaço Delirium. “Nós somos a primeira galeria fundada e dirigida por pessoas pretas no Brasil”, afirma a fundadora, Igi Ayedun. Os 14 artistas representados fazem parte da sigla LGBTQIA+, são indígenas ou pretos. Todos também são jovens, sendo 31 anos a idade mais alta.
Localizada numa sala comercial de um antigo prédio abandonado no Minhocão mas que agora ganhou um ar moderninho, a HOA trabalha mais com pintura, a exemplo das telas super coloridas e com um toque naïf de Eduardo Araújo Silva, e das abstrações de Lais Amaral, pintora de São Gonçalo, do estado do Rio de Janeiro. A casa também investe na venda de NFTs.
A 700 metros da HOA, a galeria Verve abriu sua nova sede, localizada numa sala na sobreloja do icônico edifício Louvre, projetado por Artacho Jurado nos anos 1950. Chegar até o espaço já é um programa em si, pois se adentra esta joia da arquitetura paulistana e, uma vez na porta da galeria, é possível avistar a praça dom José Gaspar e a biblioteca Mario de Andrade, do outro lado da avenida São Luís.
“Vários colecionadores têm apartamentos aqui [na avenida São Luís] para deixar as coleções, ou moram por aqui. Curadores, diretores de instituições, também. Isso foi um ponto que a gente colocou em questão quando disse ‘vamos para o centro'”, conta Allan Seabra, um dos dois sócios, acrescentando que o novo espaço tem mais ou menos o mesmo tamanho do sobrado que a galeria ocupava na rua Lisboa, em Pinheiros.
Seabra cita o circuito de galerias que está se estabelecendo no centro, como a Jaqueline Martins, na rua doutor Cesário Mota Jr, a Central galeria, no subsolo do prédio do Instituto dos Arquitetos do Brasil, e a Pivô, no edifício Copan, um espaço de arte e não uma galeria propriamente dita. Ainda segundo ele, há uma leva de novos colecionadores do mercado financeiro indo morar na região, que vê um boom imobiliário nas proximidades do Minhocão e a valorização de apartamentos antigos.
Embora o centro se firme como novo destino para compras de obras de arte, isso não significa que os Jardins estejam em declínio, como mostram dois novos espaços na região, ambos na vila modernista de Flávio de Carvalho na alameda Lorena –um conjunto de casas da década de 1930 projetadas pelo arquiteto e que abriga desde 2019 a galeria Sé.
Aberta em fevereiro, a Cama, sigla para colaboração entre agentes do mercado de arte, reúne num destes sobrados quatro galerias –Kubik (Porto, Portugal), Cavalo (Rio de Janeiro), Periscópio (Belo Horizonte) e Casanova (São Paulo)– e uma editora de múltiplos de obras, a 55SP (São Paulo). Trata-se da evolução de um projeto que começou no ano passado como um site dedicado a conteúdos sobre arte, como ensaios e textos críticos, afirma Adriano Casanova, fundador da galeria que leva seu nome.
“Além do galerismo tradicional, a gente tem também um papel de promotor, de estratégia comercial do artista. Somos galeristas que vêem a venda não só do objeto de arte, mas o processo de venda da imagem, do conceito, para então chegar à venda do objeto”, diz Casanova. Segundo ele, a Cama reúne uma nova geração de galeristas, influenciados por Marcantonio Villaça, Raquel Arnaud e Luisa Strina –”três galeristas que começaram do nada, construíram muita coisa ali naquele campo aberto.”
Já a Bergamin & Gomide abriu no final de maio sua segunda unidade, depois de reformar uma das casas da vila modernista que tem entrada pela alameda Ministro Rocha Azevedo. “É louvável que instituições privadas, como galerias de arte, estejam empenhadas em restaurar obras residenciais que são patrimônios da nossa arquitetura moderna, devolvendo-as à fruição coletiva”, escreveu o arquiteto Guilherme Wisnik sobre a reforma.
Como o conjunto das casas de Flávio de Carvalho não é tombado pelo patrimônio, cada uma está hoje num estado diferente em relação ao projeto original, e a da Bergamin & Gomide é relativamente preservada. Um dos destaques da casa é seu vazio central, segundo Wisnik, propício para ser ocupado por obras desenvolvidas especialmente para o espaço.
Fonte: FolhaPress/João Perassolo