SYLVIA COLOMBO
Relatório da ONG Human Rights Watch divulgado nesta terça-feira (22) afirma que a perseguição a políticos, jornalistas e opositores, que vem em escalada na Nicarágua, é parte de uma estratégia maior do regime ditatorial comandado por Daniel Ortega para “instalar medo e restringir a participação política”, com vistas à eleição presidencial de novembro.
“Os nicaraguenses estão encontrando imensos obstáculos para ter seus direitos de se expressar respeitados, assim como os de se reunir em assembleia, de se associar a partidos, de se inscrever para eleições justas e livres”, afirma o texto.
O estudo foi realizado entre fevereiro e junho, por meio de entrevistas com 53 pessoas, incluindo ativistas, jornalistas, advogados, defensores dos direitos humanos e opositores que tenham sofrido assédio ou sido detidos de modo arbitrário. Também foram analisados fotos e vídeos que registram abusos dos direitos humanos.
A entidade procurou o regime nicaraguense para comentar as ocorrências descritas no relatório, mas não teve resposta.
Até a conclusão do documento da HRW, haviam sido presos quatro pré-candidatos às eleições. Cristiana Chamorro, filha de Violeta Chamorro, acusada de lavagem de dinheiro; o diplomata Arturo Cruz Sequeira, por “conspiração contra a Nicarágua”; o acadêmico e ativista político Félix Maradiaga, investigado por supostamente estar conspirando por uma intervenção militar no país e “organizando ataques terroristas”; e Juan Sebastián Chamorro, economista e primo de Cristiana Chamorro, também acusado de conspirar contra a pátria.
Depois de a investigação ter sido terminada, também foi preso Miguel Mora, empresário de comunicação e dono do canal 100%. Mora já havia sido preso pela ditadura de Ortega, ao lado da mulher, Lucía Pineda Ubau, em 2018. Na época, a acusação era de “incitar o ódio”, durante a cobertura da violenta repressão que Ortega promoveu contra os manifestantes que saíram às ruas para protestar contra uma política de ajustes. Os protestos daquele ano resultaram em 328 mortos.
Lista ** Segundo a HRW, a prisão dos pré-candidatos foi realizada atropelando diversos direitos -há registros, por exemplo, de veículos militares e policiais diante das casas antes da prisão para assustá-los e de apoiadores do regime convocados para fazer barulho durante a noite e impedi-los de dormir.
Durante esse período, os cercos às residências dificultavam a saída para comprar comida e outros itens básicos e impediam a chegada de membros das famílias e de advogados. Em um dos casos, os policiais impediram que os dois filhos de um deles fossem à escola por três dias.
Jornalistas relataram que, ao se aproximarem desses lugares, era comum terem seus celulares apreendidos e serem afastados dali, de modo que não pudessem realizar seu trabalho. As prisões foram feitas de maneira ilegal, sem que fossem apresentadas aos detidos as acusações.
A partir de números levantados por organizações de direitos humanos locais, a HRW coletou 400 casos de ataques à mídia e a jornalistas. Muitos tiveram casas e escritórios revistados, material roubado e foram chamados a interrogatórios em que se fez pressão para que abandonassem a atividade profissional.
Ao serem liberados, muitos foram informados de que poderiam voltar a ser presos a qualquer momento. A ONG considera isso uma tentativa de promover a autocensura nos poucos meios de comunicação independentes que ainda atuam na Nicarágua.
O relatório termina com pedidos ao secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, para que “fale publicamente” sobre o tema e que procure as autoridades nicaraguenses para demonstrar preocupação. Também pede que os governos dos EUA, Canadá, União Europeia e países da América Latina pressionem a ditadura de Ortega para que autorize o retorno ao país de organizações de direitos humanos internacionais expulsas em 2018.
A entidade também pede que sejam avaliadas sanções, incluindo impedimento de viajar e congelamento de bens no exterior, tanto de Daniel Ortega e de sua mulher e vice-presidente, Rosario Murillo, como de nomes da cúpula da ditadura nicaraguense. Entre eles, Edwin Castro, porta-voz do partido do governo, a Frente Sandinista de Liberação Nacional, a procuradora-geral, Ana Julia Guido Ochoa, e o chefe da polícia nacional, Javier Díaz.
Fonte: FolhaPress