Banco lança uma plataforma, batizada de Itaú Meu Negócio, com produtos e serviços não-bancários para as pequenas e médias empresas. O projeto nasce com a Omie, startup de softwares de gestão na nuvem. Mas outras startups devem se conectar. Os detalhes foram revelados com exclusividade ao NeoFeed
Há duas semanas, em um evento destinado a investidores, Milton Maluhy Filho, novo CEO do Itaú Unibanco, fez questão de frisar que o maior banco do País, avaliado em R$ 302 bilhões, vive o momento mais desafiador da sua história e precisa passar por uma “verdadeira e profunda” transformação.
“A boa notícia é que nossa transformação já começou. Agora, precisamos dar intensidade e velocidade”, disse ele, na ocasião. Do discurso à prática, o banco começa a renovar sua artilharia para combater as fintechs, techfins e afins. E antecipou com exclusividade ao NeoFeed uma das novas armas nesse front.
Trata-se da Itaú Meu Negócio, plataforma de produtos e serviços não bancários voltados a pequenas e médias empresas. Além de complementar o seu portfólio tradicional junto a esse perfil, o lançamento traz uma prática ainda pouco usual no banco: a inclusão de ofertas desenvolvidas fora dos seus limites.
“Com o Open Banking, será cada vez mais difícil definir as fronteiras”, diz Carlos Eduardo Peyser, diretor do Itaú Unibanco, ao NeoFeed. “Por isso, vamos construir um ecossistema de beyond banking e buscar as melhores empresas para nos ajudar a atender, em sua plenitude, as PMEs que estão aqui dentro.”
A parceira escolhida para dar o pontapé na plataforma é a Omie. Fundada em 2013, a startup tem um portfólio de softwares de gestão na nuvem destinado a PMEs e já captou mais de R$ 100 milhões com investidores como Astella Investimentos e Riverwood Capital.
“Quando a Omie ainda era um Powerpoint, nós já dizíamos que a convergência entre a gestão e os serviços financeiros era inevitável”, afirma Marcelo Lombardo, fundador e CEO da Omie. “E, até agora, ninguém conseguiu entregar essa promessa. Com a parceria, queremos quebrar esse paradigma.”
O portfólio da Omie será ofertado a 1,5 milhão de PMEs que possuem algum relacionamento com o Itaú Unibanco. A moeda de troca da startup será dar acesso à sua carteira de 65 mil clientes, que vem adicionando, em média, 4 mil novas empresas a cada mês.
O escopo da plataforma vai além dessas carteiras. E não faltam números para justificar esse interesse. De acordo com a EY, as PMEs respondem por 27% do PIB. Segundo o Serasa, foram abertas 3,3 milhões de empresas em 2020, alta de 8,7% sobre 2019 e o maior número desde 2011, primeiro ano da série.
“O fato de suprir outras necessidades é um trunfo enorme para que mais empresas dentro desse universo se tornem clientes do Itaú”, observa Peyser. “Nossa ambição é ampliar essa base de clientes PMEs em cerca de 60% nos próximos 4 anos.”
Além do “puxadinho”
A ideia do Itaú Meu Negócio começou a tomar forma em 2020, quando o Itaú Unibanco buscou identificar quais eram as principais dores das PMEs, além das demandas financeiras. Nessa pesquisa, o apoio à gestão apareceu no topo e por isso foi escolhida como foco inicial da plataforma.
“Não queríamos construir um modelo que fosse um puxadinho do varejo ou do atacado, como geralmente é feito nos grandes bancos”, explica Peyser. “Queríamos algo que atendesse de fato essas empresas.”
O executivo também recorre a um dos mantras da nova gestão do Itaú Unibanco, a “centralidade no cliente”, para justificar essa proposta. “Mudamos recentemente nossa assinatura de ‘Feito para você’ para ‘Feito com você’”, diz. “É muito arrogante ser feito para o cliente. Tem que ser feito com ele.”
A partir dessa orientação e da identificação da gestão como primeira necessidade das PMEs, o Itaú Unibanco vai dar início ao projeto-piloto da Itaú Meu Negócio nesta semana, com uma base de 8 mil clientes.
Nessa primeira etapa, o recorte escolhido será o de companhias que faturam até R$ 40 milhões por ano, um universo que representa cerca de 90% da base de clientes PMEs atendidas pelo banco. A previsão é de que o projeto-piloto se estenda por dois meses.
“Nós acreditamos que vamos conseguir ter as respostas que precisamos nesse período, antes de estender a oferta a todo o mercado”, explica Peyser. Isso inclui eventuais ajustes, por exemplo, na faixa de clientes a ser atendida.
Esse prazo também será usado para definir como as PMEs terão acesso aos produtos e serviços da plataforma. A princípio, os formatos vão incluir desde ofertas gratuitas e pagas, incluindo opções no modelo freemium e alternativas subsidiadas, em parte ou totalmente, pelo Itaú Unibanco.
A parceria inicial também ajuda a ilustrar como será o papel e os possíveis benefícios de cada empresa que for incorporada à ferramenta. Nesse caso, a Omie terá a oportunidade de escalar exponencialmente sua carteira. “Hoje, entre 30% e 35% do nosso público endereçável é cliente do Itaú”, diz Lombardo. “Para nós, esse acordo é extremamente estratégico.”
Já o Itaú Unibanco passa a ter um apelo adicional para manter a base atual de PMEs sob o seu domínio – 22,5% das empresas atendidas pela Omie são correntistas do banco. E, ao mesmo tempo, poderá explorar a carteira restante da startup com seu portfólio bancário.
Esse ponto do acordo marca, no entanto, outra grande mudança na abordagem do banco. É claro que a parceria cria atalhos para ambas as empresas. Mas o contrato entre as duas partes não envolve nenhum termo de exclusividade.
O Itaú Unibanco poderá costurar acordos com outros fornecedores de softwares de gestão. E a Omie terá liberdade para distribuir seus produtos com outros atores do setor financeiro. Isso inclui sua própria conta digital, em parceria com o LetsBank, banco digital do Voiter.
“Esse tempo de exclusividade ficou para trás”, diz Lombardo. “Podemos, inclusive, distribuir produtos financeiros de outros players para o cliente do Itaú.” Peyser acrescenta: “Tem coisas que poderemos fazer com a própria Omie ou concorrer com eles”, destaca.
Apesar de não envolver amarras, a aproximação entre Itaú Unibanco e Omie abre caminho para o desenvolvimento de ofertas mais assertivas. A partir do compartilhamento de informações entre os dois parceiros, sob autorização dos clientes, em linha com o cenário previsto no Open Banking.
Para Peyser, a “beleza” de participar da gestão desses clientes é ter acesso a mais dados para contextualizar melhor o portfólio destinado a essas empresas. Lombardo também ressalta os ganhos potenciais para o banco.
“O Itaú já é bem-sucedido na oferta de crédito para as PMEs”, afirma o CEO da Omie. “Mas, até então, estava olhando essas empresas pelo buraco da fechadura. Agora, nós vamos abrir a porta para eles.”
Um dos prováveis focos será a oferta de crédito. O Itaú Unibanco encerrou 2020 com uma carteira de crédito para PMEs de R$ 127,6 bilhões, alta de 33,9% sobre 2019. Já no primeiro trimestre de 2021, o crescimento foi de 22,7%, para R$ 128,3 bilhões.
Enquanto prepara o projeto-piloto, o Itaú Unibanco já tem mapeadas, a partir de suas pesquisas, outras áreas de produtos e serviços a serem integradas à plataforma. Em muitas delas, o banco já está conversando com parceiros.
Entre elas estão os sistemas de gestão de pessoas. Outras demandas envolvem ferramentas de e-commerce e segmentos como educação financeira, além de ofertas ligadas às questões de ESG.
Há espaço ainda para soluções desenvolvidas internamente. São os casos das ferramentas de gestão de risco e a conexão com outros clientes do Itaú. Nesse último exemplo, uma opção será plugar as ofertas dessas empresas no Iupp, novo marketplace de recompensas voltado aos correntistas do banco.
Uma sinalização ao mercado
Para Bruno Diniz, sócio da consultoria Spiralem, o movimento do Itaú Unibanco chama a atenção por diversos aspectos. “Estava demorando para um player do porte deles buscar conexões além da oferta financeira, que está ficando commoditizada”, afirma. “Essa é uma equação que nenhum grande banco, mesmo lá fora, conseguiu resolver até o momento.”
Em sua avaliação, o banco está antecipando o cenário do Open Banking, que inclui uma inevitável perda de receita. Mas que, ao mesmo tempo, traz novas oportunidades a serem exploradas. Ele destaca ainda o fato de o Itaú não exigir exclusividade nas parcerias.
“Em geral, os grandes bancos querem ter o controle. O Itaú está tentando aprender a jogar de acordo com o que será o mercado daqui para frente”, observa. “E é importante isso se dar no plano das PMEs, que só agora estão chamando a atenção das fintechs e dos novos players.”
O Itaú Unibanco fechou 2020 com uma carteira de crédito para PMEs de R$ 127,6 bilhões, alta de 33,9% sobre 2019
O segmento das PMEs está atraindo, de fato, muitos jogadores. A lista inclui nomes como BTG Pactual, Inter, Original, C6, Nubank, BS2, o próprio LetsBank e fintechs especializadas nesse público, como Cora, Linker e Conta Simples. Além de techfins como a Totvs.
Sob a ótica da junção entre as ofertas financeiras e outras necessidades, o grande rival apontado por Diniz, porém, é a Stone. A empresa brasileira de pagamentos tem apostado em construir seu próprio ecossistema, por meio de aquisições e investimentos. O maior acordo foi a compra da Linx, em 2020, por R$ 6,7 bilhões, depois de uma longa e polêmica disputa com a Totvs.
Além de uma participação minoritária no banco Inter, a empresa também já trouxe para dentro de casa ou investiu em companhias como a vhsys, de software de gestão para micro e pequenos empresários; a Linked Gourmet, plataforma de gestão para restaurantes; no app de entregas Delivery Much; e na healthtech Vitta.
O Itaú Unibanco não descarta seguir esse caminho. “Vamos utilizar o modelo mais adequado para cada caso “, diz Peyser. “Podendo, inclusive, passar por participações e aquisições, caso faça sentido para o banco.”
Fonte: NeoFeed