Política
Quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Cresce preocupação com reformas desidratadas no período pré-eleitoral

Analistas têm chamado a atenção para os riscos de o governo Bolsonaro, enfraquecido pela crise da pandemia e pressionado pela estreita janela de oportunidade antes do período eleitoral, insistir em avançar com versões modestas ou distorcidas de reformas vistas como cruciais pelo mercado.

A avaliação é que, ao gastar capital político votando projetos minguados em áreas como a tributária e administrativa, o país possa acabar por atrasar ainda mais a possibilidade de aprovar mudanças que de fato viabilizem progressos estruturais.

“Acho que precisamos ter projetos melhores para avançar e dar à sociedade os ganhos dessas reformas”, afirmou a economista-chefe do banco JPMorgan no Brasil, Cassiana Fernandez, em webinar na última semana, ao defender que o mais adequado seria adiar para depois das eleições a tramitação dos projetos mais importantes.

Ela argumentou que as reformas tributária e previdenciária, por sua complexidade, demandam discussão ampla e a busca de consensos para garantir mudanças mais profundas. “Acho que você pode obter esse consenso na sociedade e aí você pode ter uma reforma bem mais forte e melhor.”

Em artigos nos últimos dias, os economistas Marcos Mendes–pesquisador do Insper e ex-chefe da assessoria especial do Ministério da Fazenda no governo Michel Temer– e Nilson Teixeira –sócio-fundador da gestora Macro Capital– foram na mesma linha, defendendo a postergação das duas reformas.

O governo já acertou com o Congresso que, no caso da tributária, o plano é aprovar medidas de forma fatiada, começando com a votação na Câmara de um projeto infraconstitucional que unifica o PIS e a Cofins em um imposto sobre valor agregado (IVA) denominado CBS.

Apesar de avaliar que o ideal seria que o IVA eventualmente abarcasse também o tributo estadual ICMS –considerado a principal fonte dos problemas do sistema tributário–, a equipe econômica argumenta que, como a medida enfrenta muita resistência, a opção será por estabelecer um IVA federal que possa futuramente agregar tributos estaduais e municipais.

Para Mendes, do Insper, o risco é que o esforço resulte em medidas que “nada têm a ver com a reforma”, como um novo Refis e a CPMF.

Um dos passos da proposta tributária do ministro Paulo Guedes envolve uma renegociação de dívidas tributárias. Sobre a CPMF, o ministro afirmou recentemente que “por enquanto” desistiu do polêmico imposto sobre transações.

Em entendimento fechado pelo governo com o presidente da Câmara, deputado Artur Lira (PP-AL), e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), parte das medidas que compõem a reforma tributária começará a tramitar por uma das Casas e as demais, pela outra. Mas até o momento o governo ainda não encaminhou suas propostas, com exceção da CBS.

Já a reforma administrativa encaminhada ao Congresso, ainda em 2019, corta benefícios e propõe mudanças nas regras de estabilidade e progressão na carreira, mas apenas para os novos servidores públicos que venham a ser contratados. Ainda assim, deixa fora do alcance do projeto categorias como magistrados e parlamentares.

Críticos afirmam que, dado seu escopo limitado, a economia gerada pelo projeto não seria tão significativa e a reforma pode acabar contribuindo para perpertuar benefícios.

Rachel de Sá, analista de macroeconomia da XP, afirmou recentemente que a proposta para a reforma administrativa é tímida e que eventuais novas exceções nos termos do projeto podem torná-la “inócua”.

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara já aprovou a admissibilidade da proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma, primeiro passo para que o texto tramite no Congresso.

Lira e Pacheco têm reiterado comprometimento com as duas reformas, mas, há um ano e quatro meses das eleições presidenciais, a pauta política no Congresso tem estado bastante dominada pela CPI da Covid, que investiga as responsabilidades dos gestores públicos na pandemia do coronavírus.

Fonte: Reuters