CAROLINA MORAES –
As obras do suíço John Graz, que participou da Semana de 22, não foram exatamente bem recebidas alguns anos antes do evento.
A curadora Maria Alice Milliet conta que, na exposição que ele e Regina Gomide Graz fizeram dois anos antes, o casal percebeu que o público não estava disposto a comprar seus quadros e móveis modernistas. As casas da capital ainda eram provincianas e demoraria para que olhassem com entusiasmo para as criações da dupla que voltara de uma Europa que efervescia em torno do art déco.
As composições geométricas que aparecem em trabalhos têxteis e no mobiliário da dupla e de Antonio Gomide, irmão de Regina, se tornaram seminais do evento que marcou o modernismo em São Paulo. Agora, elas são retomadas na mostra “Desafios da Modernidade – Família Gomide-Graz nas Décadas de 1920 e 1930”, que será inaugurada no Museu de Arte Moderna de São Paulo, o MAM, na semana que vem.
A exposição com cerca de 80 obras da família que acabou ditando tendências de estilo no país tem uma gama diversa de produções, como painéis, móveis e colchas. Há também montagens de salas inteiras e um documentário com ambientes feitos na época que dão o tom da burguesia paulistana já da década de 1930.
Num desses espaços está a “Mulher com Galgo”, uma aerografia feita em veludo de Regina Gomide Graz que traduz a influência do art déco na produção da brasileira.
“Absolutamente tudo está dentro do estilo. Pelo tema, é um momento de grande emancipação da mulher, em que ela usa os vestidos curtos, corta os cabelos, reivindica, inclusive, o voto feminino”, afirma Milliet, a curadora. É uma mulher que aparece na obra, portanto, como alguém que está no controle da situação.
A retomada da obra da artista, autora de peças que não estiveram na Semana de 22, também é central na mostra. Milliet afirma que ela faz parte da geração de mulheres que, naquele período, começou a atuar em áreas que estavam reservadas aos homens -e que, até hoje, sua produção não foi devidamente trabalhada em mostras.
“A maior parte das obras que ela fez, por serem têxteis, desapareceram. As pessoas compravam na época e depois achavam que havia saído de moda. E então as doavam ou as descartavam”, diz.
Ela também lembra que, apesar de jornais terem publicado que a artista estaria na Semana de 22, a sua participação não se concretizou.
A curadora acredita que isso se deu também pela natureza das obras. Segundo Milliet, não entendiam bem como esse trabalho, considerado feminino, podia entrar numa exposição de arte como aquela, que pretendia chocar a sociedade paulistana.
Enquanto John Graz se consagrou como um introdutor do art déco no país, Regina pesquisou tecelagens indígenas do alto Amazonas -e procurava padrões para reproduzir em suas tapeçarias.
Representação dos próprios indígenas também aparece, por exemplo, num painel da década de 1930 nomeado “Índios”, uma tapeçaria de parede formada com retalhos. Os olhos voltados para a produção dos povos originários caracteriza justamente o espírito dessa geração, que buscava se aproximar de algo que pudesse ser visto como um símbolo nacional.
“O Brasil tem uma plêiade de estrangeiros por causa das guerras. A gente recebeu a herança do art déco, e eles chegavam aqui e queriam olhar para o Brasil, não queriam se repetir”, afirma Márcio Alves Roiter, fundador do Instituto Art Déco Brasil e curador do B-MAD, o museu Berardo Art Deco, recém-inaugurado em Lisboa dedicado a esse estilo de arte com figuras geométricas e labirínticas.
É uma herança que está na coleção de 400 pranchas de nanquim de August Herborth, por exemplo. O franco-alemão, que chegou ao Rio de Janeiro no início dos anos 1920 e se impressionou com os artefatos que viu no Museu Nacional, sobretudo os marajoaras.
“Acho que a gente está voltando com um olhar de revisão para a Semana de 22”, afirma Maria Alice Milliet. “Estamos percebendo lacunas, como é o caso da Regina, e recuperando a produção.”
Fonte: FolhaPress