Cultura
Sexta-feira, 17 de maio de 2024

‘Quo Vadis, Aida?’, no Oscar, não é só denúncia de um massacre terrível

CÁSSIO STARLING CARLOS – O sofrimento e a aniquilação de civis em guerras é um tema pelo qual o cinema sempre se interessou, um motivo pronto para saciar plateias em busca de emoções intensas. Do Holocausto até conflitos menos midiatizados, a vítima desarmada oferece as condições infalíveis para despertar empatia.
“Quo Vadis, Aida?”, concorrente da Bósnia e Herzegovina ao Oscar de filme internacional, trata disso, mas tem também ingredientes que o elevam acima do gênero -uma história real de genocídio contra uma minoria étnica, uma protagonista “gente como a gente” e agressores que até pouco antes eram vizinhos, alunos, colegas.
A ocupação de Srebrenica pelo Exército sérvio em 1995 e o assassinato de mais de 8.000 homens da minoria muçulmana da cidade, supostamente protegida por forças da ONU, a Organização das Nações Unidas, compõem o quadro factual.
Mas a diretora e roteirista bósnia Jasmila Zbanic não faz um filme limitado a denunciar um massacre, aliás conhecido.
Sua vantagem é conduzir o drama do ponto de vista de Aida, uma professora que trabalha como intérprete e intermedeia as comunicações entre os militares holandeses da ONU e a população local.
Aida não é, portanto, somente uma vítima. Ela é protagonista, tem voz, faz escolhas, interfere e não tem nada de passiva, em contraste com a maioria dos personagens, que, acuados, obedecem ou seguem ordens.
Na primeira cena, vemos Aida traduzir uma conversa ríspida entre o prefeito bósnio de Srebrenica e um coronel holandês. Ela busca ser fiel às palavras, se esforça para amenizar a agressividade e, ao mesmo tempo, está comprometida, enquanto cidadã, na grave situação.
Essa sobreposição da ação profissional, objetiva, com a reação pessoal, subjetiva, dá ao filme uma tensão crescente e complexifica suas emoções.
Quando seu marido e os filhos são retidos fora do campo onde parte da população perseguida encontra proteção, suas ações revelam a cisão entre escolhas individuais e consciência coletiva.
No duríssimo epílogo, o filme preserva suas ambiguidades, evitando idealizar a solução do conflito e amenizar a tragédia com a tinta falsa do perdão.
Ali, fica claro o domínio da diretora. Ao optar pelo comedimento, equilibrando identificação e distância, “Quo Vadis, Aida?” provoca um impacto político mais intenso e duradouro do que pode o efeito patético.

Fonte: FolhaPress