ANA ESTELA DE SOUSA PINTO – Partidos políticos são o novo alvo da ditadura da Belarus, cuja repressão já atingiu manifestantes, jornalistas e ativistas de direitos humanos desde as eleições presidenciais de agosto de 2020, consideradas fraudadas.
Praticamente inócuos no ambiente político dominado até agora pelo ditador Aleksandr Lukachenko, os partidos passaram a ser foco de tensão após anúncios de novas siglas feitas por adversários do regime.
O mais temido por Lukachenko é o executivo Viktor Babariko, seu mais popular adversário na campanha eleitoral até ser preso, no ano passado, e processado por fraude.
Antes de ter sua candidatura cassada, Babariko obteve o endosso de 435 mil assinaturas, o quádruplo do necessário para ser registrado. Em setembro, da cadeia, anunciou a formação do Vmeste (juntos, em russo), ao lado de sua ex-chefe de campanha Maria Kalesnikava, também presa há sete meses.
Os planos da dupla são inscrever formalmente o partido em maio, mas há poucas chances de que o registro seja aceito pelo regime, assim como é muito improvável que eles deixem suas celas tão cedo.
Um dos motivos é a popularidade de Babariko -pesquisas independentes são quase impossíveis na Belarus, mas um levantamento online feito em janeiro pela Chatham House o colocou na liderança do apoio popular, com 28,8%.
Para conter a organização rival, o regime apresentou um projeto de lei no começo deste mês apertando as regras para partidos. A ditadura quer aumentar o número mínimo de participantes e eliminar siglas que não apresentem candidatos ao Parlamento por dois anos seguidos.
Também estipula que apenas belarussos com residência permanente no país podem fundar partidos, o que mira diretamente o ex-ministro da Cultura Pavel Latushka, exilado na Polônia para escapar da repressão.
“Estamos construindo um sistema multipartidário no qual os cidadãos da Belarus terão uma escolha real entre os partidos políticos”, disse o ex-ministro ao anunciar a intenção de lançar uma sigla, em vídeo online.
A reação de Lukachenko foi imediata: “A sociedade belarussa não tem experiência com um sistema multipartidário. Se cometermos o menor erro na formação dos partidos, supostamente nos guiando por experiências estrangeiras, vamos destruir o país”.
Ele também criticou “o sistema político-partidário da democracia ocidental, em que o populismo barato e as tecnologias políticas sujas estão substituindo as ideologias” e disse que a população belarussa não tem interesse em formar partidos, a não ser em “uma pequena parte do público politizado das grandes cidades”.
O projeto de lei partidária quer também impedir que residentes no exterior sejam membros dos partidos, o que afetaria a líder oposicionista Svetlana Tikhanovskaia, exilada na Lituânia.
Ela já anunciou, porém, que pretende se manter apartidária. A estratégia de seu grupo é tentar negociar com a ditadura, provavelmente com intermediação da OSCE (organização para segurança europeia), uma transição pacífica, após a qual seriam convocadas novas eleições.
No poder desde 1994, Lukachenko admitiu a possibilidade de deixar a Presidência apenas depois de aprovar uma nova Constituição, em discussão desde o ano passado. Adversários dizem, porém, que essa é apenas uma estratégia para ganhar tempo.
Em paralelo ao movimento de barrar a organização partidária da oposição, a ditadura belarussa continua apertando o garrote dos meios de comunicação, que já levou à suspensão de dezenas de sites e processos contra canais informativos em redes sociais.
No começo de abril, um projeto de lei sobre a mídia elevou requisitos para a atividade jornalística e multiplicou casos em que eles podem ser impedidos de divulgar informação.
Nesta segunda (12), o governo cassou a licença de operação da emissora Euronews, serviço pan-europeu da Media Globe Networks que transmite em vários idiomas.
O regime também não relaxou a repressão sobre os manifestantes, impondo em 1º de março um novo código que reforçou sanções contra participantes de reuniões pacíficas não autorizadas -o que inclui usar roupas brancas e vermelhas ou enfeitar janelas com símbolos proibidos.
A comemoração do Dia da Liberdade, em 25 de março (aniversário da proclamação da República Popular da Belarus, em 1918), foi proibida. Ainda assim, a polícia deteve mais de 400 pessoas, entre elas pedestres levados aleatoriamente.
No Parlamento, foram apresentadas emendas para aumentar a responsabilidade criminal pela participação em protestos e por críticas públicas ao regime. “A situação dos direitos humanos no país deteriorou-se significativamente no último mês”, afirmou a organização Viazna.
Mas, se os protestos minguaram neste ano, isso não significa que tenha arrefecido a rejeição a Lukachenko, que chegou a levar mais de 200 mil manifestantes às ruas durante várias semanas no segundo semestre de 2020, dizem analistas.
Quase 46% dos belarussos disseram reprovar o ditador em pesquisa com amostra representativa feita por telefone pelo OSW (Centro de Estudos Orientais), contra 40,8% que o avaliaram positivamente.
O centro observa que, como as perguntas não se referiam a preferência eleitoral, é provável que haja “um grupo de belarussos com opinião moderadamente positiva de seu governo, mas que, depois de 27 anos, espera mudanças políticas no país”.
Para escapar das penas mais duras, os que se opõem ao ditador optaram por uma “guerrilha branca”, como miniatos pulverizados e ações culturais online.
A perspectiva para os próximos meses continua sombria, porém, na avaliação de Kamil Klysinski, analista sênior para a Belarus do OSW. “É de se esperar que a repressão não só continue mas também se intensifique, para desacreditar completamente os círculos democráticos da Belarus e assumir o controle total do país”, em texto sobre o Dia da Liberdade.
“No entanto, é importante sublinhar que a insatisfação foi apenas abafada nas suas manifestações externas, mas suas causas não foram eliminadas”, afirma Klysisnki.
Fonte: FolhaPress