ANA ESTELA DE SOUSA PINTO – Uma esnobada explícita na presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em reunião oficial com o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, e o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, causou uma avalanche de protestos nesta quarta (7) na União Europeia.
Única mulher entre os líderes presentes no encontro em Ancara, Von der Leyen ficou parada no meio do salão ao descobrir que havia apenas duas poltronas -nas quais se sentaram Erdogan, ao lado da bandeira turca, e Michel, ao lado do pavilhão da UE.
Depois de abrir as mãos e emitir um interrogativo “ãhm”, ela acabou se sentando num sofá, em posição clara de escanteio em relação aos dois presidentes.
A cena irritou políticos, diplomatas e jornalistas, e o alvo foi não apenas o presidente turco -cujas posições sexistas são conhecidas- mas também o política belga, que não hesitou em deixar Von der Leyen sem posição de destaque no encontro e se omitiu sobre o fato desde então.
Em rede social, a atitude foi chamada de “vergonhosa” pela eurodeputada Iratxe García Pérez, líder do grupo Socialista e Democrata no Parlamento Europeu, de “cena obcena” por uma repórter italiana e de “fiasco diplomático” por pessoas da área, que afirmaram nunca ter visto tratamento tão desigual a líderes equivalentes.
Vários temas tratados no encontro -como políticas de imigração, o único que teve um resultado concreto– são de responsabilidade da Comissão, e não do Conselho Europeu, o que justificaria que, na falta de poltronas, fosse Von der Leyen a beneficiada.
A saia-justa ocorreu depois de uma reunião de duas horas entre os três líderes, em que um dos assuntos foi a retirada da Turquia da Convenção de Istambul, sobre direitos femininos.
Em entrevista nesta quarta (7) sobre a cena, o principal porta-voz da Comissão, Eric Mamer, oscilou entre dizer que “não faria do caso um incidente” e declarar que “a presidente deveria ter sido sentada exatamente como Michel e Erdogan, e espera que a instituição que ela representa seja tratada com o protocolo correto”.
Segundo ele, a Comissão “tomará providências para que falha semelhante não se repita”. Mamer não esclareceu, porém, se as instituições europeias não haviam sido informadas com antecedência sobre o protocolo.
Ele também não quis responder sobre que hipótese considerava mais provável: uma “pegadinha” planejada por Erdogan para desconcertar Von der Leyen, um insulto misógeno direto ou uma mensagem política foram as alternativas apresentadas pelo repórter.
“Não sei que mensagem a Turquia poderia querer passar, mas o que importa é que nós passamos claramente a nossa”, afirmou o porta-voz, dizendo que Von der Leyen “preferiu priorizar a substância à forma” e prosseguir com a reunião.
“A presidente reagiu de forma assertiva. Não deixou a reunião, participou ativamente e tomou todas as atitudes necessárias”, disse Mamer.
O principal resultado prático foi a prorrogação do acordo de cinco anos pelo qual a União Europeia dá ao governo turco EUR 6 bilhões (quase R$ 40 bi) para que o país evite a passagem de imigrantes em direção à Europa, pela fronteira com a Grécia.
O esquema foi implantado após a crise de imigração de 2015, quando mais de 1 milhão de pessoas que fugiam de conflitos em seus países entraram na União Europeia. As estimativas são de que estejam hoje retidos na Turquia cerca de 4 milhões de imigrantes, principalmente sírios e afegãos.
Na entrevista após o encontro, a presidente da Comissão Europeia não fez menção à desfeita. Afirmou que a viagem tinha como objetivo “dar um novo impulso” ao relacionamento com a Turquia e descreveu como “interessante” a reunião com Erdogan.
Também se declarou “profundamente preocupada” com a saída da Turquia da Convenção de Istambul, medida que, segundo Von der Leyen, “passa um sinal errado”.
Mamer não respondeu, porém, sobre se a Comissão considera também “um sinal errado” Charles Michel ter tomado a única poltrona disponível, em vez de esperar que uma terceira fosse trazida ou ceder seu lugar.
“Essa é uma pergunta que deve ser feita ao Conselho Europeu. O que posso dizer é que a presidente Von der Leyen pediu explicações a todos os envolvidos.”
Procurado desde a noite de terça, o porta-voz do Conselho não falou sobre o assunto até as 14h30 (horário local, 9h30 no Brasil) desta quarta. No sofá, Von der Leyen ficou em posição equivalente à do ministro das Relações Exteriores da Turquia, Mevlut Çavusoglu, que ocupou móvel semelhante à sua frente.
A chancelaria turca afirmou que “não houve intenção de causar danos” à presidente da Comissão Europeia e que “a delegação avançada da UE concordou com o protocolo em geral”, embora não esteja claro se isso incluía a disposição dos assentos.
Fonte: FolhaPress