Cultura
Quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

‘Sky Rojo’ apresenta misoginia e feminismo embalados em violência

TETÉ RIBEIRO
FOLHAPRESS – Os oito primeiros episódios de “Sky Rojo” estão disponíveis na Netflix. É uma estreia mundial e muito esperada, a produção mais recente dos espanhóis Álex Pina e Esther Martínez Lobato, do excelente “Casa de Papel” e, depois, do mais ou menos “White Lines”.
E, na nova série, eles resolveram abraçar de vez o estilo “pulp fiction” com que haviam flertado nas produções anteriores. É quase palpável a sensação de já ter visto algumas sequências de “Sky Rojo” em filmes de Quentin Tarantino, tão óbvia a influência do diretor americano nesse produto.
A trama abre com Coral, interpretada pela atriz espanhola Verónica Sánchez, dirigindo um conversível em alta velocidade e chegando ao clube Las Novias, um bordel classudo no deserto de Tenerife, a maior ilha do arquipélago das Canárias, território da Espanha.
Ela conduz o espectador com uma narração em off, que faz ao mesmo tempo em que toma diferentes pílulas. Ficamos sabendo que Coral é uma bióloga formada, que já foi casada e virou prostituta e junkie por vontade própria, quando decidiu deixar sua antiga vida para trás.
As duas outras protagonistas têm trajetórias bem diferentes. Tanto a argentina Wendy, interpretada pela pop star Lali Espósito, quanto a cubana Gina, papel da também cubana Yany Prado, foram levadas de seus países de origem com a promessa de que iriam trabalhar como garçonetes na Espanha e ganhar muito dinheiro.
Lá, são obrigadas a se prostituir sob comando do cafetão Romeo, que toma os seus passaportes e cobra delas o dinheiro que gasta com passagens, hospedagens, alimentação, roupas, maquiagens e até camisinhas.
Uma noite, Gina resolve pagar sua dívida com Romeo. Ele deixa claro que essa conta só aumenta e ela não vai poder se livrar tão facilmente assim. Enfurecida, ela parte para cima do chefe, que se defende com uma caneta pontuda, que enfia várias vezes no corpo dela.
Wendy e Coral veem a cena e decidem ajudar a colega. Uma pega um dosador de uísque e bate na cabeça dele, a outra alcança um troféu pesado e dá o golpe final. Romeo cai no chão enquanto uma poça de sangue se forma ao seu redor.
As três fogem dali e no caminho ainda atropelam a gerente da casa. Passam a ser perseguidas pelos capangas de Romeo, os irmãos Moisés, papel de Miguel Ángel Silvestre, e Christian, vivido por Enric Auquer, perversos e violentos.
Os três homens são misóginos, mas cada um tem uma história apresentada na tentativa de os normalizar. Romeo é apaixonado pela mulher e pelas filhas, e os dois irmãos cuidam com amor da mãe inválida.
Tem duas maneiras de assistir a “Sky Rojo”. Uma, sem pensar muito, aceitando que essa é uma série B bastante divertida, bem filmada e que celebra a amizade de três mulheres, uma sororidade brotada de uma situação controversa, em resposta aos horrores do machismo brutal.
Aí, dá pra levar sem problemas. Coral, Gina e Wendy viram protagonistas fortes, que sabem o que querem e não se deixam dobrar pela vontade de nenhum homem. São como uma versão mais boca do lixo de Thelma e Louise, do filme clássico de 1991, dirigido por Ridley Scott. Embaladas por uma ótima trilha sonora.
A outra maneira de ver é mais complicada. Causa desconforto o fato de as mulheres do elenco serem obrigadas a atuar em cenas que estão lá para demonstrar como aquelas são situações degradantes.
Por exemplo, a atriz Verónica Sánchez aparece chupando os dedos de vários, vários homens, enquanto uma narração em off de sua personagem, Coral, conta como é nojento ter que fazer isso e ainda fingir prazer. E os três homens principais do elenco cometem as maiores barbaridades, mas suas personagens são “humanizadas” por histórias pessoais banais.
A prostituição forçada das mulheres é obviamente retratada como uma coisa terrível a ser combatida, mas, ao mesmo tempo, as cenas no clube Las Novias parecem querer transformar em fantasiosa uma realidade dura. Estão lá muito mais para excitar o telespectador do que para confrontar uma situação lamentável. Assim como as cenas explícitas de violência.
O criador da série a define como “pulp latina”, ou seja, a intenção aqui não é fazer o mundo melhor. Talvez essas tentativas de denunciar o tráfico de mulheres para prostituição forçada e melhorar o perfil de seus personagens masculinos só sirvam para confundir os críticos. E, se for para problematizar, essa não é a série mais indicada.
Mas quem consegue sublimar essas dualidades e suportar a violência vai se ver pego pelo suspense da trama. Que, aliás, já tem mais oito episódios prontinhos, que só vão ao ar se “Sky Rojo” achar sua audiência.