Cultura
Quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Djonga corre risco de ter seu segundo álbum pandêmico esquecido

JAIRO MALTA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Tudo indica que estamos presos em um pesadelo de Marty McFly em “De Volta para o Futuro” –ou seria passado? Um ano se passou e nos encontramos no mesmo cenário, atravessamos as mesmas datas e as mesmas pedradas. Tão acostumados a dormir e a acordar chocados que o religioso dia mais importante de março –para o rap nacional, claro–, o Djonga Day, em que o rapper lançou um novo álbum, passou e nem fez cócegas.
Disco bom? Sim. As letras são bem trabalhadas, o flow é avançado, álbum digno do rapper mais influente dos últimos anos. A questão é: tudo passou tão rápido que nem parece que já são dois álbuns do cantor em plena pandemia. Há o risco de um deles ser esquecido.
Aparentemente “Nu” veio para mostrar um outro lado do Djonga, o Gustavo Pereira Marques, de 26 anos, que venceu na vida e está cansado da opinião pública. Observação que é destacada logo na capa do disco. Com foto de Jeferson Delgado, a arte da capa mostra a cabeça do rapper sendo servida de bandeja enquanto o fotografam, lhe apontam o dedo e o ofendem.
É perceptível a insatisfação do rapper com as críticas que recebeu durante a pandemia por ir a manifestações e por ter participado de um show em dezembro de 2020. Cancelamentos, racismo pela internet e a cobrança de ser representante de uma geração está pesando.
“Quanto mais sucesso, menos divertido/ Eu não era assim, sou fruto do meio/ Meu coração parece um balde furado/ Acho que o vazio me pegou em cheio”, é assim que Djonga finaliza a primeira música, “Nós”, desse que é o seu quinto álbum, intitulado “Nu”.
Mas mesmo abalado, ele pode ficar tranquilo, porque o disco não deixa a desejar nos versos com ideias bem atualizadas politicamente, voz agressiva, antirracista e com grandes referências ao cenário pop brasileiro, incluído o Big Brother Brasil 21.
Na música “Ó Quem Chega”, ele reflete sobre um fim prematuro que sua carreira pode ter. “É que se eu parasse faltava arroz/ Se eu parar hoje eu deixo um legado.” Seria uma pena esse ser o último Djonga Day. Citado nos primeiros versos, Coyote Beatz, seu fiel escudeiro, é quem está por trás da produção de “Nu” e dos seus últimos álbuns, “Heresia” (2017), “O Menino que Queria ser Deus” (2018), “Ladrão” (2019) e “Histórias da minha Área” (2020).
Em “Xapralá”, faixa produzida por MDN Beatz, há um grande questionamento de onde estamos na história. Será que somos o fotógrafo documentarista Sebastião Salgado, ou o menino fotografado ao lado do urubu? Desistimos ou preferimos a humilhação, como a dúvida do ex-participante do BBB 21, Lucas Penteado? Reflexões que mostram os conflitos internos pelos quais o artista tem passado e que dão início a uma série de versos de autoquestionamentos. “O disco anterior era melhor/ O Djonga de ontem era melhor.”
“Me Dá a Mão” é a faixa romântica tradicional dos discos do cantor. Nessa, ele fala de um amor já maduro e pede ajuda para “sair dessa vitorioso”.
Na quinta música do álbum, “Vírgula”, Djonga fala sobre ter alcançado estabilidade financeira e ser alvo de críticas por isso. Dinheiro, carro do ano, banquetes, uísque e muita música boa é o saldo que ele expõe nos versos. E finaliza com a letra de “Casa de Bamba”, de Martinho da Vila, concluindo seu atual momento: “Na minha casa, ninguém passa fome/ Todo mundo bebe e todo mundo come/ Na minha casa, vale tudo, chefe/ Dança mina com mina e homem com o homem”.
O outro lado do sucesso vem em “Ricô”, música com participação do MC Doug Now, na qual Djonga fala dos problemas que o dinheiro trouxe. De uma forma bem debochada, ele se contradiz nas reflexões que iniciam o disco e agora se coloca como um consumista deliberado para quem o prazer é o que importa e ter chegado até ali é a justificativa.
Produzido por Thiago Braga e citando o comediante Yuri Marçal, nos versos da penúltima música do álbum, “Dá pra Ser?”, o rapper volta a ser o cara consciente e assume erros do passado em seus relacionamentos. “Se eu não te fizer reinar, você está livre para voar.”
O álbum é finalizado em uma grande autocrítica, resumida na música “Eu”. Com vozes de William Bonner e Pedro Bial, Djonga percorre todo o caminho que o levou até o auge, ou, como ele mesmo cita, “a casa grande”. Saúde mental, cansaço e solidão são os temas que ele mais aborda nesta música, e o desejo de estar no auge aparece. “Quem caça Simonal, caça Bob, caça Gadhi.” A velocidade e frequência com a qual ele julga ser amado e odiado é um dos grandes motivos dessa reflexão sobre a carreira, e, talvez, para uma pausa nela.
Em resumo, Djonga agora quer esquecer o “Nós” e voltar a ser “Eu”, o simples mineiro Gustavo, pai de Jorge e Iolanda, e marido da Malu. Quer ter uma vida simples e ver os filhos crescerem em paz. Se esse for o seu destino, isso será mais uma coisa que a pandemia nos levou.