MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No dia 9 de janeiro de 1921, um domingo, o “grand monde” político e cultural da cidade de São Paulo se reuniu no palacete do Trianon para uma celebração em torno do poeta e jornalista Menotti del Picchia, que lançaria uma edição de seu poema “Máscaras”.
Projetado por Ramos de Azevedo, o casarão em estilo europeu, localizado onde hoje se situa o Masp, contava com restaurante, confeitaria e salão de festas. Era um ponto elegante de eventos políticos, bailes e comemorações de gente da elite paulistana.
Del Picchia, poeta pouco inspirado, gozava de grande prestígio nessas esferas. Era figura de proa no Correio Paulistano, jornal do poderoso PRP, o Partido Republicano Paulista, cujos editoriais e notas políticas eram pautadas no Palácio dos Campos Elíseos. O homenageado também mantinha boas relações com jovens personagens da cidade que começavam a arregaçar as mangas para mudar o panorama artístico colonizado e provinciano então dominante.
Entre os nomes que aderiram ao banquete, entre financistas, políticos, artistas e escritores da velha guarda, figuravam Guilherme de Almeida, Victor Brecheret, Mário de Andrade e Oswald de Andrade. Este, após um revezamento de figurões na tribuna, tomou a palavra para fazer um discurso que fustigava os chamados passadistas e conclamava à renovação das letras e das artes. Fez soar ali, nas palavras de Mário de Andrade, “o clarim dos futuristas”.
O ano de 1921 foi aquele em que “meia dúzia de artistas moços”, como disse o orador, se reuniu em torno de um projeto de militância cultural que criaria, no ano seguinte, a Semana de Arte Moderna e se revelaria, ao longo da década de 1920, uma pujante referência para o modernismo brasileiro –hoje com crescente reconhecimento internacional.
Em 1921, as novidades modernas não eram segredo no Brasil. Da pintura à literatura, já se conheciam bem, ao menos em alguns círculos, as movimentações vanguardistas da Europa na década anterior –e já era quase que popular o termo “futurismo” para designar os que simpatizavam com a mudança dos cânones.
São Paulo era à época uma cidade um tanto provinciana, que tinha menos da metade da população e estava longe do cosmopolitismo e da densidade cultural do Rio de Janeiro. Mas crescia e se atualizava velozmente, sob o impacto do notável enriquecimento do estado, que explodiu com o café no final do século 19 e logo se transmitiu para outros ramos da atividade econômica, como as finanças e a indústria.
O que havia em São Paulo, que experimentava vertiginosa aceleração do tempo, era um sentimento de que o futuro lhe pertencia e que era hora de se projetar na disputa pela liderança cultural de um Brasil que já não cabia no molde do século 19.
Naqueles tempos, a cidade e o estado começavam a replicar as instituições federais de que a capital há muito dispunha.
Já se intensificava o intercâmbio com o exterior, mecenas traziam exposições, circulavam publicações europeias e até mesmo uma jovem artista, chamada Anita Malfatti, já havia promovido, em 1917, uma inédita e ruidosa exposição de pinturas modernistas, depois de estudos em Berlim e Nova York –evento que graças à reação furiosa de Monteiro Lobato deu lugar a uma polêmica histórica.
O próprio Del Picchia, melhor propagandista do que literato, lançou em 1921 um artigo em que esboçava uma plataforma para unir o grupo modernista. Dizia ele que o “stock de ideias, de doutrinas, de processos técnicos velhos e vistos entrava em liquidação”. A vida “multiforme e absorvente” do mundo das fábricas, máquinas e movimentos revolucionários impunha outra técnica artística e outra mentalidade –e São Paulo estaria pronta para a representar.
A ideia, como se sabe, era abandonar temáticas europeias e padrões estéticos sedimentados para valorizar as cores nacionais e o arrojo de uma nova arte –as “mercadorias espirituais, de criação fresca” que já se apresentavam “à avidez dos consumidores”.
Foi em 1921 que o grupo modernista, cada vez mais unido e atuante, organizou uma viagem ao Rio para encontrar com poetas residentes na capital. Nas palavras exageradas e caricatas de Helios, pseudônimo de Del Picchia no Correio Paulistano, aquela era uma “bandeira paulista” para desbravar a “formosíssima urbe máxima do país” onde –ao menos isso reconhecia– “brilhantes espíritos moços e renovadores” já haviam iniciado “sua guerra às múmias”.
O Rio já era palco de uma cena moderna e gestava sua renovação estética –como atestava, para ficar num único exemplo literário, o livro “Carnaval”, de Manuel Bandeira, no qual se lia o poema “Os Sapos”, lançado em 1919, dois anos antes de “Pauliceia Desvairada”, escrito em 1921.
Foi também naquele ano que o ativismo do grupo chegou à ideia de um grande evento modernista que acabou se realizando em 1922, com o apoio decisivo do intelectual e mecenas Paulo Prado, que acolhia os jovens modernistas para longas conversas em sua mansão de Higienópolis.
Há versões variadas sobre as origens da ideia da Semana, mas não resta dúvida de que o carioca Di Cavalcanti, que retornava a São Paulo em 1921, foi o grande mentor da proposta, ainda que houvesse uma inquietação no grupo para que alguma coisa pública e marcante fosse programada. Chegava o ano do centenário da Independência e o grito dos jovens modernistas estava preso na garganta.
O festival, que de início foi chamado de futurista, acabou se desenhando nos encontros de Higienópolis e, reza a lenda, contou também com uma sugestão de dona Marinette, mulher de Paulo Prado, que mencionou as semanas de moda de Dauville, na França. A Semana, hoje marco do modernismo brasileiro, começou a ser organizada em novembro de 1921 e foi inaugurada no dia 13 de fevereiro.
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