Cultura
Domingo, 6 de outubro de 2024

Cacaso pagou caro por se ater à poesia marginal, da qual foi maior mentor

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Antônio Carlos de Brito, o Cacaso, um dos nomes mais importantes da década de 1970, era da geração mimeógrafo, que imprimia seus próprios poemas ou se mobilizava em pequenas editoras.
E que deu origem à poesia marginal –oralidade em primeiro plano, espontaneidade de linguagem, postura crítica diante do momento político do país, discurso quase sem ambiguidades. Exceto trocadilhos piadísticos, de fácil deglutição.
Cacaso era professor, poeta, crítico, desenhista, letrista da MPB. Bem informado, levou para a universidade a discussão sobre essa nova poesia que surgia no Rio de Janeiro. Abriu discussão contra o estruturalismo, a linha teórica do momento, e se insurgiu contra a poesia concreta, depois de ter se mostrado simpático a ela.
No poema “Estilos de Época”, detonou. “Havia/ os irmãos Concretos/ H. e A. consanguíneos/ e por afinidade D. P.,/ um trio bem informado:/ dado é a palavra dado/ E foi assim que a poesia/ deu lugar à tautologia/ (e ao elogio à coisa dada)/ em sutil lance de dados:/ se o triângulo é concreto/ já sabemos: tem três lados.”
O interesse pela poesia marginal tem levado o mercado editorial a relançar poetas dessa época como Chacal, Ana Cristina César, Francisco Alvim, Nicolas Behr et cetera. Bem como a investir em novos poetas que têm seguido essa linha -Bruna Beber, Ana Martins Marques, Angélica Freitas, dentre outros.
“Poesia Completa”, além de reunir toda a obra poética de Cacaso já publicada, traz inéditos colhidos entre anotações de 23 cadernos do poeta, escritos de 1977 a 1987, ano de sua morte aos 44 anos, de infarto. Traz ainda 60 das quase 300 letras de canções em parcerias com Tom Jobim, Edu Lobo, Djavan, Toquinho, João Donato, João Bosco, Zé Renato, Francis Hime, entre outros.
Na seção fortuna crítica, Roberto Schwarz descreve o poeta fisicamente e o associa à “estampa rigorosamente 68”. Heloisa Buarque de Hollanda comenta toda a produção de Cacaso e conclui que sua poesia tinha uma postura mais “cultural que literária”. Francisco Alvim destaca a ironia e a perfídia como formas de corrosão da epifania de sua poesia. Vilma Arêas tece crônica de memória pessoal. Mariano Marovatto estabelece a biografia essencial do poeta em poucas páginas.
O elo imediato entre vida e poesia levaram Cacaso a radicalizar a linguagem a ponto de eliminar, ao máximo, a ambiguidade. Contrariando as metáforas e metalinguagens que recheiam o livro de estreia de 1967, de viés cabralino, drummondiano e eliotiano, o poeta escreve no poema que dá nome ao livro “Na Corda Bamba” de 1978 -“Poesia/ Eu não te escrevo/ Eu te/ Vivo // E viva nós!”.
A poesia deixa de ser representação e passa a ser a própria vida. Sem dúvida, um paradoxo. A negação da poesia se dá enquanto se redige a própria poesia.
Poesia é representação, é linguagem. O problema reaparece quando o poeta busca no imediatismo a identificação vida-arte. Essa “pressa” o leva a escrever uma série de poemas de resultado duvidoso.
É o caso de “Orgulho” -“descreça/ e apareça”. Ou “Boêmia” -“Acho que hoje já é/ Amanhã”. Ou “Genealogia” -“A gente é o pai da gente”. Ou “Amizade” -“O sexo não tem sexo”. Ou “Oferta” -“A amizade não/ tem preço”.
No entanto, tais recursos não encontramos nas letras das canções. “Dinheiro em Penca” (com Jobim), “Dentro de Mim Mora um Anjo” (com Sueli Costa), “Lero-lero” (com Edu Lobo), “Morena de Endoidecer” (Djavan) são belas letras que resultaram em antológicas canções.
Procedimentos do livro de estreia serão retomados em poemas do último livro publicado em vida, como “Já Já” e “Tiau Roberval” e encontrados em poemas inéditos resgatados por esta antologia.
Cacaso era um bom poeta. Por se submeter às normas da poesia marginal, da qual foi o principal mentor, pagou um alto preço.