Cultura
Quarta-feira, 1 de maio de 2024

Adaptação de Harari em HQ é conservadora e tem um ritmo frenético

RAMON VITRAL
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A equipe por trás da adaptação de “Sapiens: Uma Breve História da Humanidade” para a linguagem dos quadrinhos não deve ter custado a concluir que um único álbum não seria o suficiente para apresentar as informações e reflexões do historiador israelense Yuval Noah Harari em seu best-seller.
As 248 páginas do recém-lançado “Sapiens: O Nascimento da Humanidade” adaptam pouco menos de um quarto da obra, deixando o resto para três volumes ainda inéditos.
Harari é creditado no expediente dessa adaptação como “criador e colaborador na redação”, mas também protagoniza o quadrinho, como o narrador que conduz a história sobre o desenrolar da aventura humana na Terra, em conversas com a sobrinha e colegas pesquisadores e cientistas.
O roteiro é do belga David Vandermeulen, a arte do francês Daniel Casanave e as cores da francesa Claire Champion. O mérito maior do quarteto está na administração do conteúdo do livro original de Harari e no ritmo frenético desse fluxo de informações.
Também não há espaço para excessos no roteiro de Vandermeulen, no traço de Canave e nas cores de Champion. O trabalho deles se dedica a expor as ideias de Harari da forma mais clara e objetiva possível.
Ponto alto da HQ, o primeiro capítulo parte do Big Bang, há 14 bilhões de anos, passa pelo domínio do fogo e finaliza com os impactos dos sapiens na natureza como última espécie do gênero Homo. Não há respiro.
Esse compromisso dos autores com a clareza da HQ resulta no aspecto mais antiquado da obra: seu conservadorismo estético, com designs de páginas blocados e poucas investidas narrativas mais audaciosas.
Os dois primeiros capítulos até propõem soluções mais ousadas, com referências a outras mídias e obras de arte, menções a jogos e programas de TV e a apresentação de uma HQ dentro da própria HQ, mas isso não se mantém.
Os capítulos finais acabam travados ao apresentar as análises de Harari sobre as práticas e crenças dos Homo sapiens mais antigos e ainda dar uma conclusão à obra – em um julgamento que analisa os estragos impostos pelos seres humanos ao planeta.
Ainda assim, “Sapiens” em quadrinhos é coerente e funcional em sua proposta de informar com alguma diversão, sem cair em didatismos burocráticos ou arriscar piadas sem graça de livros de ciência do ensino médio.
O quadrinista e jornalista Joe Sacco questiona, na introdução de seu livro “Reportagens”, coletânea de matérias em quadrinhos escritas e desenhadas por ele, “como conciliar a subjetividade inerente aos desenhos com a veracidade objetiva que se aspira em uma matéria jornalística?”.
“Sapiens” em quadrinhos não é jornalismo, está mais para documentário, mas concilia com méritos essa mesma subjetividade com a objetividade aspirada em uma obra científica.