THAIZA PAULUZE
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Você considera que venceu as estatísticas?”. A pergunta pegou o jornalista Edu Carvalho, 22, de surpresa. “Hoje, sim. Até esse momento. Mas meu amanhã é daqui a 23 minutos”, respondeu ele, com o intervalo de tempo que distancia o assassinato de jovens negros no país.
É que não dá para falar do livro “Na Curva do S – Histórias da Rocinha” (Todavia) sem falar do Edu. Negro e cria da maior favela da América Latina, onde vivem cerca de 100 mil pessoas, ele retrata os efeitos da pandemia por lá de forma íntima, como quem descreve um vizinho ou sua própria história -embora jure que os 12 contos são ficcionais.
O primeiro começa na entrada da favela e o leitor vai subindo as ruas e vielas junto com um menino que passa fome, um motorista por aplicativo, um vendedor, um pastor, uma mãe preocupada e jovens tentando se divertir em meio ao crescimento de casos do coronavírus.
A curva do S, que dá nome ao livro, fica na meiuca da favela. Por lá, o fluxo é intenso de ônibus, vans, motos, pessoas, shows.
Quem é dali bate o olho no nome e logo reconhece, diz Edu. “Tem uma importância histórica e para mim. Queria eternizar esse lugar.”
No novo cotidiano da Rocinha, problemas antigos ganharam contornos dramáticos. A exemplo do culto que propagandeia remédio de piolhos como cura milagrosa para o coronavírus -esta, Edu diz que realmente ouviu- até os tiros no baile por causa de uma operação da polícia em meio à pandemia e a dificuldade de quarentenar em barracos minúsculos. Nas partes mais pobres da favela, as pessoas não têm nem acesso a água ou luz.
Quando contraiu o vírus, em abril, Edu ficou 18 dias isolado e com muita dificuldade de respirar. Em um dos contos, “Novomundo”, ele mostra o medo da morte pelos olhos da sobrinha de 9 anos, que vê as notícias de óbitos no Jornal Nacional.
A primeira coisa que o personagem infectado pensa é na conta do funeral -preocupação cada dia mais frequente por lá, já que a Rocinha está entre as favelas no topo do ranking com maior número de casos e mortes.
Agora, é a segunda onda da doença que aflige Edu. “Teve afrouxamento dos cuidados, as pessoas não estão mais levando a sério. Uma parte pequena ainda segue a risca as orientações. São dois cenários dentro do onibus: metade com máscara e metade sem máscara.”
O jornalista faz questão de andar todo paramentado, de máscara, face shield e álcool em gel, para lembrar quem esqueceu do perigo.
Escrito em um mês e meio, o livro faz parte da coleção “Ensaios sobre a pandemia”, criada pela Todavia em meio ao surto de Covid-19. Foram convidados 16 autores.
“Não queria nada jornalístico. Foi um desafio para mim. Algumas pessoas do livro são reais, os lugares são reais, mas não aconteceu exatamente daquela maneira. Muita gente me diz ‘vejo meu pai, meu avô, meu sogro, minha mãe’. Tem um quê de ser antena e captar tudo que eu tava ouvindo, sentindo e vendo”, afirma Edu.
Nos últimos anos, ele se notabilizou por detalhar o cotidiano das favelas em crônicas e reportagens. Fez parte da equipe de criação do programa Conversa com Bial, e da série Segunda Chamada, da TV Globo. Também foi repórter da CNN Brasil e participou da equipe vencedora do Prêmio Vladimir Herzog no ano passado. É colunista do Uol e da revista Época, e pilota o programa de entrevistas #PodEntrar, no Instagram.
Edu pensa em sair da Rocinha. É que a mãe, que vive há quatro décadas na favela, agora é uma senhora de mais de 60 anos. “Não aguenta ficar subindo e descendo escada, ladeira. Minha vida está toda aqui, mas hoje o aluguel está caro, equiparado a viver em outros bairros da zona sul.” Mas as relações, diz, “nunca vão mudar. Os filtros que a Rocinha me deu são meus”.
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