MARCELLA FRANCO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Famosas na literatura com romances e obras de não ficção, a portuguesa Rosa Montero e a carioca Mary del Priore voltam agora ao mercado editorial com a função de “reescritoras”. Na pauta, a ânsia de mostrar que, numa história, os verdadeiros personagens principais nem sempre são os que ganham mais destaque.
Autora de “A Ridícula Ideia de Nunca Mais te Ver”, Montero lança “Nós, Mulheres”, um apanhado de biografias femininas em áreas como ciências, política e artes. Há, sim, nomes ilustres como Frida Kahlo e Simone de Beauvoir, mas o foco principal está na vida de quem foi apagada por uma “história oficial e sexista”, como define a autora.
“A falta de valor social da mulher faz com que ela mesma se valorize menos e com que os homens também a valorizem menos. Grande parte da violência doméstica contra a mulher e de toda a violência feminicida se deve a essa manipulação mentirosa da história”, avalia a escritora, em entrevista.
A historiadora e pesquisadora em ciências sociais Mary del Priore se vale de anônimas de variados períodos históricos e classes sociais para costurar “Sobreviventes e Guerreiras – Uma Breve História da Mulher no Brasil de 1500 a 2000”.
Segundo ela, mesmo que as mulheres estejam no centro de todos os debates, ainda é preciso se aprofundar mais. “Há um grande desconhecimento sobre quem fomos, quais as raízes dos constrangimentos que enfrentamos, nossas histórias de sucesso e resistência e as representações que são construídas sobre nossos papéis sociais. A boa mãe, a ‘moça para casar’, periguetes”, afirma.
“Conhecer as transformações pelas quais passamos, indo do espaço privado para o público, vai certamente ajudar a entender quem somos. Diferentes de nossas avós, hoje, temos que conjugar vários papéis ao mesmo tempo -um desafio exaustivo que fica mais leve quando olhamos para trás e realizamos que demos muitos passos para a frente.”
Quando publicou seu livro “Historias de Mujeres”, 25 anos atrás, Montero relembra que biografias femininas não eram comuns, porque havia a ideia de que poucas tinham sido importantes. “Sempre foram discriminadas”, diz.
“Nós, Mulheres” é uma revisão da compilação de personagens de duas décadas e meia atrás, agora com a adição de outros 90 nomes. “Não é que não podíamos nos destacar em nenhum campo público porque nos era proibido estudar, trabalhar”, conta.
“As mulheres se destacaram, sim, em absolutamente todos os campos da atividade humana, e em todas as épocas. O que é terrível é que a história atribuiu suas conquistas aos seus pais, irmãos, colegas, maridos. Estamos agora reescrevendo e corrigindo a narrativa mentirosa com que fomos educados.”
Montero apresenta, por exemplo, a vida de Christine de Pizan, nascida em 1364, tida como a primeira escritora profissional da história e articuladora da causa feminista, por meio da reivindicação do direito das mulheres à educação e ao conhecimento. Já Wu Zetian, uma imperatriz chinesa do século 7º, foi acusada de torturar outras mulheres e de matar seu próprio filho para se livrar de rivais e aparece em outro verbete.
A autora conta que escolheu mulheres com vidas que a fascinavam. “Leio muitas biografias, e essas personagens me pareceram interessantíssimas. Não é um livro de santas. Há as boas, as más, e há as muito más. Mas todas são incríveis, poderosas e fascinantes”, diz Montero.
Priore explica que seu livro é herdeiro de 20 anos de pesquisas. “Desde o século 18 ocorreu uma grande mobilidade social e mestiçagem que tirou milhares de mulheres pobres e analfabetas da condição de escravidão. Na capitania de Minas Gerais, o segundo grupo mais poderoso, depois dos homens brancos, era o das negras forras”, exemplifica.
A obra traz, por exemplo, a história de Rosa Egipcíaca, feita escrava em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. Como prostituta, ganhou dinheiro suficiente para comprar sua alforria e, mais tarde, uma casa de prostituição. Um dia, teve uma visão -Virgem Maria a orientava a fundar um convento só para ex-prostitutas negras.
Além disso, ela deveria aprender a ler e escrever para contar sua vida num livro. Então comprou um imóvel no centro da capital fluminense, montou o tal convento, e escreveu 250 páginas –elas, como sua autora, também desapareceram na história.
“Em todo o Brasil, o elevador social funcionou para nós. Mas a condição para entrar nele sempre foi a mesma, o letramento”, acredita Priore. “Empresárias precoces, elas fizeram do pequeno comércio seu ganha pão e, com criatividade, enriqueceram e educaram seus filhos.”
Segundo a historiadora, “a violência e o patriarcado não vão terminar por decreto”. É preciso, em sua opinião, enfrentar o que restou da cultura patriarcal. “Ela tem que perder sua legitimidade pelo abandono da violência, do sexismo e da dominação por parte de homens que estão, eles também, vivendo intensas mudanças.”
“A ‘igualdade desigual’, esse hiato entre discurso e prática, acaba por alimentar as tensões em que estamos mergulhadas. Mas, compreender as raízes do problema é fundamental. E, para isso, é essencial recuperar através da história a voz e as marcas de testemunhas. Elas nos permitem enxergar o passado no presente, para viver melhor consigo e com os outros.”
Cultura
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