TETÉ RIBEIRO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Pobre Victor Drummond, papel de Daniel Auteuil, de “Caché”. Seu emprego de cartunista foi atropelado pelas mudanças da era digital e ele foi demitido. Agora, é obrigado a suportar a situação incômoda de ser mantido pela mulher, Marianne, vivida por Fanny Ardant, de “Callas Forever”, uma psicanalista famosa com quem é casado há 40 anos.
Victor já está tão confortável com a presença da mulher que se apresenta sempre desmazelado, com barba comprida e desgrenhada. Marianne, ao contrário, vive impecável, tem apetite pela vida e gana de novas experiências.
A disparidade incomoda a mulher, que um dia explode e bota o marido para fora de casa. Depois, comemora o feito como um ato de libertação.
Ela não tem a preocupação de ficar sozinha. É amante há muito tempo de François, papel de Denis Podalydès, de “O Enterro da Vovó”, o editor que demitiu Victor. Mas o ex-cartunista também tem um possível salvador – Antoine, papel de Guillaume Canet, de “Rock’n Roll: Por Trás da Fama”, o melhor amigo do filho do casal que é fã de seu trabalho e dono da firma Time Travellers, ou viajantes no tempo.
O produto que ele vende é uma experiência teatral imersiva em qualquer época do passado que o cliente quiser e com a companhia que escolher. A firma constrói cenários ultradetalhistas em estúdio e tem uma grande equipe de atores, assistentes e figurantes, com figurinos caprichados e maquiagem profissional.
Pode ser uma festa no fim do século 19, um banquete com Maria Antonieta ou uma noite especial da pessoa. Qualquer que seja a fantasia, faz uma simulação quase perfeita.
O filho de Victor e Marianne, Maxime, papel de Michaël Cohen, presenteia o pai com um vale-viagem no tempo. Victor primeiro desconfia da ideia, mas aceita e escolhe uma noite em 1974, no bar de um hotel em Lyon onde encontrou sua ex-mulher pela primeira vez.
Um dos grandes prazeres de assistir a esse longa é a performance do protagonista e a maneira como ele expressa o prazer de voltar ao passado.
A barba vai embora, o figurino melhora e até o brilho no olho ele consegue transmitir.
No bar de hotel da sua juventude todo mundo fuma, bebe e conversa com as pessoas em vez de mexer no celular.
O único drama da nova vida do velho Victor é que ele começa a se interessar de verdade pela atriz contratada para interpretar a jovem Marianne. Ela é Margot, papel de Doria Tillier, mulher de Antoine na vida real, com quem tem uma relação mais que conturbada.
Com roteiro inteligente e direção esperta, “La Belle Époque” lida bem com as complicações de misturar fatos e fantasia. Tem algo de “O Show de Truman”, filme de 1998 de Peter Weir, na maneira como Antoine controla as cenas dos bastidores, falando por ponto no ouvido dos atores principais, aumentando ou diminuindo a luz e a trilha sonora.
Sem mais spoilers, vale afirmar que essa é uma deliciosa comédia francesa que provoca reflexões sobre como o passar do tempo faz as pessoas mudar e como alguns de nós acolhemos as transformações e nunca olhamos para trás. E como outros se sentem presos ao passado e lamentam uma fase que não existe mais.
Voltar a um momento recriado dá a Victor a possibilidade de analisar as duas perspectivas. O roteirista e diretor Nicolas Bedos consegue apresentar esse argumento de uma maneira charmosa, diferente e divertida.
Cultura
Terça-feira, 23 de julho de 2024
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