Economia
Terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Após aporte de R$ 25 mi, startup de saúde quer quintuplicar de tamanho

Não há nada mais moderno no setor de saúde no Brasil do que o médico de família. A frase não contém nenhum tipo de ironia. O que acontece é que, de repente, essa figura do generalista tornou-se o coração de movimentos que podem levar a uma revolução no setor de saúde brasileiro, capaz de mudar a cadeia de valor das empresas e ainda o bem-estar das pessoas. Essa promessa de reforma setorial ainda está no início, mas tem potencial de ganhar corpo na era digital e da ciência dos dados.

Amparo Saúde, fundada há apenas três anos pelo alemão Emílio Puschmann, quer estar no centro dessa guinada. A companhia, que tem sócios ilustres no setor como o grupo Sabin e investidores com sobrenome Setúbal, levantou 25 milhões de reais em agosto e planeja quintuplicar sua estrutura nos próximos dois anos. Em 2020, com a difusão e regulação da telemedicina, o total de beneficiários atendidos pela empresa saltou de 45 mil para 1,4 milhão no meio da pandemia.

Puschmann revela bastante sobre seu modelo e sua visão para a Amparo, mas quase nada sobre os números atuais de seu negócio. Ele conta que seu projeto prevê sair de uma base de 200 profissionais atualmente — eram 90 ao fim de 2018 — para nada menos do que 1.000 ao fim de 2022. A companhia tem hoje 11 clínicas de atendimento, em São Paulo, São José dos Campos e Distrito Federal, e planos de aumentar esse total sensivelmente, além de acelerar tudo que diz respeito à digitalização e telemedicina.

Receita? Não revela. Tudo que se sabe no setor é que já passou de 10 milhões de reais. Valuation? Tampouco. Quando questionado sobre quanto vale o negócio atualmente, Puschmann explica que a Amparo já tem nove dígitos — o que significa uma avaliação entre 100 milhões e 999 milhões de reais. Qual é o ponto exato, o empresário não conta, por enquanto. Nem aproximado.

A Amparo foi criada com uma proposta de que o primeiro atendimento ao paciente pode mudar completamente a estrutura de custos do setor, pois resolve de 85% a 90% casos. A ideia sempre foi que os clientes, a partir do primeiro contato, desenvolvam uma relação de engajamento e um acompanhamento frequente por uma mesma equipe médica.

A tecnologia e suas facilidades são a peça que faltava — pois até a pandemia não havia regulação  — para tornar a aplicação da filosofia da Amparo mais simples. O projeto nasceu a partir do atendimento físico, em clínicas, mas a telemedicina abriu um enorme potencial de expansão.

O uso dos recursos recém-captados já tem destino certo: mais clínicas, mais tecnologia (um aplicativo com diversas funções e serviços) e, portanto, mais gente para dar conta de tudo isso — de médicos a profissionais de tecnologia da informação. Crescimento é a palavra. E Puschmann já sabe até quando vai precisar de outra rodada de aportes.

Quem contrata?

A medicina preventiva, com acompanhamento próximo entre médico e paciente, é o que está no discurso não só da Amparo, mas também das novas operadoras de planos de saúde que pipocam aqui e ali. É a estratégia, por exemplo, de ninguém menos do que José Seripieri Júnior, para seu novo projeto, a QSaúde. Independentemente das polêmicas nas quais o nome do empresário está envolvido, ninguém duvida da visão de vanguarda do fundador da Qualicorp para esse setor.

Mas, enquanto muitos miram o consumidor final, a Amparo tem a estratégia direcionada justamente às operadoras. A ideia é oferecer mais eficiência — o que implica em custo mais baixo — e, com isso, permitir que planos mais competitivos sejam oferecidos, para um aumento da penetração na população. O mercado brasileiro de planos de saúde, depois um enorme salto entre 2004 e 2010, está paralisado em torno dos 45 milhões de beneficiários. As clínicas da empresa estão hoje no catálogo de operadoras como Amil, SulAmérica, Omint e CarePlus.

A multiplicação dos atendimentos da Amparo deste ano foi possível devido à aproximação com as empresas de planos de autogestão — companhias que atuam como operadoras apenas de sua base de funcionários — por meio da União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas), que reúne 4,5 milhões de vidas, cerca de 10% da base nacional de beneficiários de planos de saúde.

A Amparo argumenta que a taxa de utilização de pronto-socorro cai 50% dos clientes dos planos que são atendidos por ela. O número de exames por consulta também é cortado pela metade, de 3 a 4 em média, para 1,5 a 2. Essa combinação faz com que a sinistralidade tenha uma redução de 30% a 40% para a operadora. Um dos indicadores mais interessantes é que com o cuidado prévio, em média, 29% das internações são evitadas. Bom para os negócios e para as pessoas.

Atender às operadoras é um dos pilares do modelo do negócio até agora e também do projeto para o futuro de médio e longo prazo.  “Se eu fosse diretamente para o consumidor, entraria nos problemas da cadeia de valor do setor. Mas, na relação com as operadoras, consigo escala para mudar alguns paradigmas”, explica o fundador em entrevista ao EXAME IN.

Puschmann não é um novato no ramo, tampouco seus sócios. Já teve duas outras startups e passou também pelo Dr.Consulta. Seu tempo de vida no Brasil, sete anos, foram mais do que suficientes para entender um dos dramas desse mercado. Ninguém dessa cadeia de serviços está satisfeito com suas relações comerciais. “O sistema no Brasil vem evoluindo para cultura pouco saudável, tanto de desfechos clínicos como custos.”

O empresário vê um grande desalinhamento. Todos querem algo que vai contra o interesse do próximo na cadeia: as companhias que contratam planos corporativos querem gastar menos com o benefício aos funcionários; as operadoras de saúde querem pagar menos; os hospitais, clínicas de exames e os médicos querem ganhar mais; e o paciente quer ser melhor atendido. Da forma como está estruturado o setor, há dois modelos de produtos, os caros, em que o usuário tem acesso a tudo, e os mais baratos, nos quais as operadoras restringem a cobertura.

Puschmann explica que o Brasil foi na contramão do modelo de medicina no mundo, do ponto de vista de demografia das especialidades. A imensa maioria dos médicos no Brasil são especialistas de alta complexidade e não generalistas. “Cada médico olha uma parte do paciente e ninguém olha todo.”

Para poder apostar no generalista, o modelo de remuneração da Amparo é diferente e esse é mais um motivo para o fundador acreditar que pode inverter a lógica de insatisfação do setor. No lugar de receber por uso — o que a incentivaria a mais atendimentos, mais exames e internações —, a companhia recebe um pagamento fixo mensal e tem bonificações conforme a performance do grupo atendido, o que inclui índices de satisfação dos usuários. Essa mesma lógica, portanto, é adotada com os profissionais contratados.

Futuro

Além de um aplicativo com mais serviços, para aproximar e reter o paciente com o médico, Puschmann quer desenvolver um protocolo tal que o capacitará a entrar no lugar das operadoras de saúde, no futuro. Para isso, ele explica que hoje em dia a Amparo, que só faz o atendimento médico, trabalha com uma rede de parceiros que aceitam compartilhar protocolo para o paciente, ou seja, a definição de tratamento, e também dados de exames e histórico.

Com essa estrutura, ele aposta que poderá mais à frente entrar no lugar da operadora para assumir seu risco atuarial. Mais uma vez: não quer vender diretamente para o varejo. A operadora vai continuar nesse lugar, mas todas poderão ser, na verdade, uma espécie de seguradora. Pushmann fará toda a gestão dos serviços médicos.

Até ser toda uma operadora, ou toda uma base específica de uma das empresas de plano de saúde, ele vê espaço para crescer até mesmo com empresas verticalizadas — estrutura da Notre Dame Intermédia, Hapvida e Prevent Senior. Essas companhias controlam os custos com a restrição de acesso e uso de rede própria.  Na opinião de Puschmann, na hora de entrar em um novo mercado, no qual ainda não têm estrutura própria de hospitais e exames — o que exige investimentos elevados —, até essas operadoras podem atuar por meio da Amparo, que já tem sua rede de parceiros.

Quanto mais cresce, mais preparada a empresa fica de seu próximo e mais ambicioso objetivo de assumir toda a gestão de uma operadora. Para isso, Puschamann sabe que os 25 milhões de agora não serão suficientes. Mas, até lá, a companhia terá avançado dentro do invervalo de valor entre os 100 milhões e os 999 milhões de reais e, com isso, vai comportar uma capitalização maior.

Fonte: Exame