JOÃO PERASSOLO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – É como reiniciar um computador. Foi assim que os médicos de um hospital psiquiátrico na Suécia descreveram para Linda Boström Knausgård as sessões de eletrochoque pelas quais ela passaria nas semanas seguintes. “É uma imagem assustadora e técnica. Essas palavras revelam como eles enxergam você. É um insulto ao paciente”, afirma a autora, em entrevista por email.
Entre 2013 e 2017, a premiada escritora sueca, conhecida internacionalmente por ter sido casada com o romancista-sensação norueguês Karl Ove Knausgård, esteve internada diversas vezes em enfermarias psiquiátricas na Suécia, um dos países que mais usa a eletroconvulsoterapia no mundo. Ela tratava de episódios de depressão severos, descritos em detalhes por Karl Ove nos livros da série autobiográfica “Minha Luta”.
“Eu podia ir da depressão profunda à euforia em apenas uma hora”, relata a protagonista de “A Pequena Outubrista”, livro em que Boström conta, de maneira meio ficcional, meio autobiográfica as suas experiências em hospitais psiquiátricos. Recém-lançado no Brasil, o romance acompanha o cotidiano de uma interna que faz várias visitas à “fábrica”, como a personagem se refere à ala onde são dados os choques.
Entre uma sessão e outra, se sentindo culpada por estar internada, a personagem pensa e escreve sobre o fim do seu casamento e os momentos felizes que passou com os filhos. São justamente as lembranças de suas quatro crianças uma das principais preocupações da protagonista, que teme perdê-las devido ao tratamento -um efeito colateral do eletrochoque é o apagamento da memória curta, na maioria dos casos, e longa, em uma pequena parte.
As lembranças dos filhos “são tão importantes que nada deveria ameaçá-las”, diz a escritora, acrescentando que a memória é também importante para ajudar as pessoas a saberem quem são e quem foram, além de ser um instrumento fundamental para os escritores em seu ofício. Por mais que os médicos tenham dito a Boström que praticamente todas as suas lembranças retornariam depois de um tempo, “isso é de fato uma mentira”, ela afirma.
A Suécia é um dos países do mundo que mais emprega a eletroconvulsoterapia em relação ao número de habitantes. Um estudo acadêmico de 2013 identificou 3.972 pessoas que passaram pelo eletrochoque naquele ano, uma taxa de 41 pacientes para cada 100 mil moradores –a cifra se mantém alta desde a década de 1970. Quase 80% dos casos procuravam cura para depressões graves, e 63% dos internos eram mulheres.
De maneira geral, os médicos do país percebem o eletrochoque como sendo um bom tratamento, e quase não há vozes públicas contrariando o seu uso, diz Boström. Ela questiona, contudo, a moralidade de empregar este método à força, como é frequentemente o caso, em pacientes que não deram seu consentimento e que “estão tão doentes que não podem tomar conta de si”.
Recebido com boas crítica em seu país natal, “A Pequena Outubrista” é o terceiro romance da autora de 47 anos, que estreou como poeta em 1998. Influenciada pela mãe, a atriz de teatro Ingrid Boström, a escritora também pensava em seguir carreira nos palcos, mas não passou na seleção da escola de drama. Foi aprovada, contudo, em um curso de formação de escritores, o qual seguiu e onde conheceu Karl Ove.
Depois do primeiro livro, Boström passou mais de uma década sem publicar, se dedicando aos quatro filhos que teve com ele e à produção de documentários de rádio. A escritora voltou às prateleiras em 2011, com uma coleção de histórias curtas, “Grand Mal”, que ela descreve como uma segunda estreia. Dois anos mais tarde veio o romance “Catástrofe a Hélio” e, em 2016, “Bem-Vindo à América”, já traduzido para 13 idiomas e previsto para ser publicado no Brasil.
Em seu trecho final, “A Pequena Outubrista” se debruça sobre o término do casamento da protagonista. A personagem se dá conta de que o fim está próximo na fila do check-in de um vôo para Veneza com seu então marido. “De toda forma, o clima não estava nada bom e iria ficar ainda pior, mas eu fecharia os olhos para isso, como a gente fecha os olhos diante de verdades para as quais ainda não estamos preparados”, reflete, no livro.
Como, na história, o marido é escritor e o livro foi publicado após o termino de Boström com Karl Ove, é tentador fazer a leitura de que a escritora está dando a sua versão dos fatos para o divórcio na narrativa, mas por outro lado o nome dele não aparece em nenhum trecho e as referências a ele são genéricas.
Independente disso, as páginas finais do romance são como um diário de uma mulher elaborando, pela escrita, a perda de alguém que amou. “Eu disse com frequência que sou livre quando escrevo”, afirma a autora.
Cultura
Domingo, 8 de setembro de 2024
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