BERNARDO CARAM E LARISSA GARCIA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) trabalha na elaboração de medidas para enfraquecer o que ele chama de “cartel da Febraban”, a Federação Brasileira de Bancos. Segundo relatos feitos à reportagem por auxiliares do ministro, ele deseja avançar com a pauta de ações que promovam desconcentração bancária e desregulamentação do setor.
A rixa com a entidade que representa grandes bancos veio a público no fim de outubro, quando Guedes chamou a Febraban de “casa de lobby” e acusou a federação de financiar “ministro gastador” para furar a regra do teto, que limita o crescimento das despesas públicas à variação da inflação.
O objetivo da equipe econômica é reduzir o domínio dos grandes bancos no mercado, abrindo espaço para mais participantes, com estímulo às fintechs –empresas mais enxutas que usam tecnologia para prestar serviços financeiros.
As ações na área podem ser adotadas pelo BC (Banco Central) e o CMN (Conselho Mone-tário Nacional), órgão no qual Guedes tem dois dos três votos.
O CMN, órgão superior do sistema financeiro nacional responsável por formular a política da moeda e do crédito, é presidido por Guedes e tem mais dois integrantes: o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, subordinado a Guedes, e o presidente do BC, Roberto Campos Neto.
De acordo com pessoas próximas ao ministro, ele não quer a implementação de um plano que seja contra bancos ou direcionado a um grupo específico, e sim medidas que estimulem a competição no setor.
Segundo relatos, a ordem é que as mudanças, tratadas como sigilosas, sejam feitas de maneira lenta e gradual.
Procurado, o Ministério da Economia afirmou que não vai comentar. A Febraban, por sua vez, disse que o setor bancário sempre colaborou com a agenda de competitividade e é favorável a medidas que estimulem a entrada de novos participantes, preservando-se a isonomia de regras.
“Um certo nível de concentração é algo comum no setor bancário do mundo todo e está ligado ao fato de ser intensivo em capital e exigir investimentos em montante elevado e, muitas vezes, com retorno de longo prazo”, disse a entidade.
Fundada em 1967, a Febraban é a principal entidade representativa de bancos no país e tem 119 associados.
Seus conselhos e diretorias têm nomes dos maiores bancos em atuação no país, como Itaú, Bradesco, Santander, J.P. Morgan, Safra, BTG, Banco do Brasil e Caixa.
Nos últimos meses, Guedes vem c+riticando a Febraban em reuniões com auxiliares.
Fontes da pasta afirmam que o principal ressentimento do ministro é com o fato de a entidade ser declaradamente contra a criação de um novo imposto sobre transações aos moldes da extinta CPMF. A proposta é defendida pelo ministro para viabilizar um corte de encargos trabalhistas.
Na avaliação de Guedes, a federação é contraditória ao fazer as críticas porque os bancos dizem não aceitar o novo imposto, mas cobram taxas sobre movimentações feitas por clientes.
No fim de outubro, o ministro levou a briga a público. Em audiência no Congresso transmitida pela internet, enquanto comentava a possibilidade de criação do novo tributo, Guedes disse que a Febraban atua para enfraquecer seu trabalho no governo.
“A Febraban é uma casa de lobby, muito honrada, muito justo o lobby, mas tem que estar escrito na testa ‘lobby bancário’, que é para todo mundo entender do que se trata. Inclusive, financiando estudos que não têm nada a ver com a atividade de defesa das transações bancárias. Financiando ministro gastador para ver se fura o teto, para ver se derruba o outro lado”, disse.
Ao contrário da afirmação, o estudo mencionado por Guedes segue a linha liberal e busca alternativas para que a iniciativa privada amplie sua atuação em ações do governo.
O levantamento, parcialmente bancado pela Febraban, é uma parceria assinada com o Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, comandado por Rogério Marinho.
Guedes afirma que o colega teria interesse em ampliar gastos públicos e estourar o teto. Os dois ministros protagonizam cenas de desavenças mútuas há meses.
Essa não é a primeira vez que Guedes faz críticas aos bancos publicamente. Em maio deste ano, em live do Itaú, o ministro disse que “200 milhões de trouxas” são explorados por seis bancos e defendeu a desconcentração do setor.
“Em vez de termos 200 milhões de trouxas sendo explorados por seis bancos, seis empreiteiras, seis empresas de cabotagem, seis distribuidoras de combustíveis; em vez de sermos isso, vai ser o contrário. Teremos centenas, milhares de empresas”, afirmou na ocasião.
A desconcentração do segmento, porém, não começou por iniciativa de Guedes.
O tema entrou na pauta de prioridades do BC na gestão de Ilan Goldfajn (2016-2018). Em 2019, último dado divulgado pela autarquia, as cinco maiores instituições financeiras representavam quase 70% do mercado de crédito, incluindo o segmento não bancário (financeiras, fintechs e cooperativas, por exemplo). Em 2016, o grupo tinha 74,3% da carteira total.
Os maiores bancos do país são Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica, Itaú e Santander. Quando se considera só segmento bancário, os cinco concentram 80,7% do mercado de crédito –a fatia chegou a ser de 83,4% em 2016.
O grupo também acumula a maior parte dos depósitos de clientes (conta-corrente), com 77,6% de todo o sistema financeiro, e 82,3% na comparação somente entre bancos.
Com Campos Neto na presidência do BC, medidas pró-competição e de inovação tecnológica saíram do papel.
Exemplos são o Pix, sistema de pagamentos instantâneos, e o open banking, ou sistema financeiro aberto, que permitirão a entrada de mais empresas no segmento e reduzirão a vantagem dos maiores.
O open banking, plataforma pela qual clientes podem compartilhar informações e encontrar serviços financeiros mais baratos, por exemplo, gerou resistência entre os bancos maiores, que queriam ter mais poderes do que os menores no novo modelo.
O professor de finanças da FGV (Fundação Getulio Vargas) Rafael Schiozer pontua que o setor financeiro no Brasil é concentrado em qualquer comparação, seja com países emergentes ou desenvolvidos.
“Aqui as fusões [de instituições] são feitas entre as maiores, o que só piora. Acredito que se fossem realizadas entre as menores, elas se tornariam mais competitivas”, pondera.
Para Schiozer, a crítica de Guedes é exagerada. “A Febraban é a entidade que defende os interesses dos bancos. A palavra lobby é muito forte, mas me espantaria se não fizesse. Talvez o BC ceda mais do que deveria, mas hoje em dia sofre muito menos influência. Também não é uma saída ser inflexível ao diálogo”, diz.
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