PEDRO DINIZ
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Foram necessários 25 anos de história, cinquenta edições, protestos do movimento negro em frente à bienal do Ibirapuera, um acordo com o Ministério Publico e, neste ano, um levante nas redes sociais. Mas, pela primeira vez, uma temporada da São Paulo Fashion Week equalizou a imagem da passarela com o retrato colorido das peles que cobrem o país.
Após cinco meses de debates entre a cúpula do evento, profissionais da indústria nacional e o coletivo Pretos na Moda, todas os 28 vídeos que mostraram rostos de modelos reais nesta edição virtual do evento cumpriram a determinação, antecipada pela Folha na sexta-feira (30), de que pelo menos metade deles deveria ser de negros, afrodescendentes e (ou) indígenas.
É provável que, se uma nova versão do documento no qual essa medida foi implementada não tivesse sido enviada antes do início das apresentações, incluindo asiáticos na cota racial, algumas marcas não teriam atingido por décimos o mínimo obrigatório. O detalhe, porém, não substituiria o fato de que, no computado de todos os desfiles, a média tenha ficado em torno de 70%.
O dado é uma estimativa baseada na quantidade de modelos não brancos que apareceram nas apresentações. O levantamento, porém, não pode ser lido como definitivo porque não foi possível contabilizar os possíveis laços sanguíneos das pessoas.
É que de acordo com a nova norma, podem entrar nessa proporção os modelos com segundo grau de parentesco, ou seja, afrodescendentes. No entanto, o cálculo é um salto se comparado aos 28% registrados na última análise publicada pelo jornal, na edição de outubro de 2018.
O desajuste histórico na passarela paulistana foi apontado pela primeira vez em 2008 e, vale lembrar, já foi tema do noticiário internacional. O debate, porém, não se restringe ao país.
O clamor por diversidade fez com que marcas centenárias, a exemplo da Gucci e da Prada, criassem os próprios conselhos de diversidade para definir estratégias de estímulo à inclusão racial e o combate ao racismo.
“A moda é um lugar de beleza, mas também de opressão”, disse Camila Simões, uma das fundadoras do Pretos na Moda, ao lado das parceiras no coletivo, Thayná Santos e Natasha Soares. Elas participaram dos momentos finais da transmissão ao vivo do evento neste domingo (8).
O trio afirma que as conversas com a Spfw e profissionais da indústria devem se desdobrar em planos de médio e longo prazo para levar o conceito de proporcionalidade ao setor.
Proporcionalidade também poderia resumir a penúltima apresentação desta São Paulo Fashion Week comemorativa. Quando o filme do estilista Isaac Silva começou, tratando sobre sua coleção Jacira, Flores Para Iemanjá, três modelos de diferentes corpos, cores e gêneros apareceram na tela traduzindo o que a nova moda aponta para o mercado.
Seu estudo afetivo relaciona a orixá à memória de sua tia-avó que dá nome à coleção, destila silhuetas adaptáveis para vários biótipos brasileiros, além de conjurar um misto entre as técnicas de alfaiataria, vinculadas à ideia de elegância do país e aos traços de cultura e fé da população negra. O branco do início da apresentação se transmuta em listrados que, de perto, são linhas sinuosas como as ondas do mar que recebe as oferendas.
As flores, dispostas pelo vestido branco, parecem saudações costuradas com cuidado em base simples, como deixaram expostas a maioria das coleções desta Spfw, mas modelada com o rigor de quem tem uma visão ampla sobre a diversidade de estruturas corporais e de gosto do Brasil.
Isso fica evidente nos pés, que, em vez de calçados chiques, recebe os chinelos Havaianas mais simples, azuis e brancos como o manto de Iemanjá. A entidade abarca a fé nacional de forma ampla porque, no catolicismo, ela é Nossa Senhora da Conceição, ou a própria Virgem Maria.
Falar do país, sobre seus símbolos e sobre sua própria história foi o que conduziu também a performance final desta temporada de desfiles.
Ronaldo Fraga relembrou o périplo da estilista Zuzu Angel, que começou com a busca do filho morto pela ditadura militar e culminou em sua morte pelas mãos dos militares. Grande parte do vídeo simula uma conversa entre ele e a colega de profissão que há 20 anos lhe inspirou em outro desfile.
No papo imaginário, regado a vinho em um apartamento pequeno no qual se via da janela prédios pegando fogo, Fraga mostra sua indignação com a chegada de miliares ao poder – do setor da moda, ele talvez seja o que mais vai a público expor sua posição contrária ao governo de Jair Bolsonaro. Uma modelo criada em computador, construída para representar os traços, os cabelos fartos e a silhueta de Zuzu Angel passeou sozinha em volta da mesa, coberta da chita que a estilista tanto gostava, exibindo a nova coleção de roupas.
Roupas que são segundo plano, apenas motivo para a apresentação, mas que carregam simbolismo importante pelo fato de que foram produzidas em parceria com comunidades de rendeiras do Cariri paraibano. Fraga, hoje, no calendário da Spfw, é o maior entusiasta dos tesouros têxteis do país.
Nos minutos finais do filme, o que melhor explorou a capacidade do formato audiovisual proposto pelo evento, a cantora Cida Moreira surgiu ao vivo, do alto de um hotel de São Paulo, para cantar a música “Angélica”, de Chico Buarque, feita por ele em homenagem à amiga estilista.
O lamento sonoro, político como boa parte dos desfiles deste calendário paulistano de moda, traduziu em notas a aura ativista da temporada, as mudanças alinhadas com o humor vigente no mundo que, nos últimos dias, viu a esperança por meio da representatividade.
Cultura
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