Cultura
Terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Livro resgata obra de Luciano Carneiro, fotojornalista inimigo do flash

OTAVIO VALLE
FOLHAPRESS – “A vida é tão rica de sugestões, há tanta poesia perdida até no meio da rua, que basta a gente manter os olhos abertos, e a máquina pronta, para selecionar as imagens que tenham significação, e assim interpretar a vida. Eis a fórmula.”
É dessa maneira, simples e objetiva, que Luciano Carneiro pensava o fotojornalismo.
Seu trabalho, inspirado no fotojornalismo humanista, corrente que tomou conta da linguagem fotográfica no pós-Guerra, encontrou espaço em O Cruzeiro, revista brasileira de vanguarda e de maior circulação na década de 1950, na qual atuou entre 1949 e 1959.
Fã declarado de Henri Cartier-Bresson, Eugene Smith, Robert Doisneau e Robert Capa, Carneiro procurava capturar a vida cotidiana de mulheres e homens comuns sempre por meio de uma narrativa crítica.
O flagelo da seca no Nordeste brasileiro e a vida nas favelas cariocas estão entre as suas primeiras grandes coberturas pela revista. Já se evidenciava uma pegada autoral típica dos fotógrafos humanistas.
Fixar as emoções humanas sem artifícios nem poses era uma obsessão para o fotógrafo, que abandonou a desajeitada Rolleiflex. “Trabalho de preferência com máquinas de 35 mm, a Nikon, japonesa, e a Leica, alemã. Elas me permitem dispensar o flash, do qual me tornei inimigo”, disse.
As reportagens com grande engajamento social tomaram conta não só da pauta de Carneiro, mas das lentes de jovens fotógrafos de O Cruzeiro, geração que tinha Flávio Damm, Henri Ballot e José Medeiros.
Carneiro também produzia os textos das reportagens. Infelizmente, a prolífica carreira do jornalista foi abreviada aos 33 anos de idade, culpa de um trágico acidente aéreo.
Intensidade é a palavra que pode definir os pouco mais de dez anos da breve carreira.
Esteve presente na entrada de Fidel Castro em Havana, durante a Revolução Cubana.
Foi um dos únicos latino-americanos a cobrir a Guerra da Coreia, de 1950 a 1953, desvelou o dia a dia dos soviéticos, viajou ao Egito de Nasser. Fez reportagens na África, no Japão e na Iugoslávia de Tito.
O tempo oxidou a marcante trajetória de Carneiro, que se viu relegada aos arquivos e à memória de alguns. Nas últimas décadas, pouco se falou de sua obra e do legado deixado ao fotojornalismo.
Lançado pelo Instituto Moreira Salles em parceria com a Fundação Demócrito Rocha, o livro “Luciano Carneiro – Fotojornalismo e Reportagem (1942-1959)” cumpre o papel de resgate daquele que pode ser considerado o maior repórter-fotográfico nacional.
A publicação traz uma generosa seleção de imagens, com mais de 170 fotografias.
Um ponto alto do livro são as mais de 35 reproduções de reportagens originais de O Cruzeiro. Fac-símiles dão a noção exata de como o material era editado. Permitem não só ver as fotografias, mas entender o contexto de sua época.
A produção do cearense foi vasta. Em 1956 estreou uma coluna semanal em que publicava vigorosas fotografias, parte do material excedente de viagens. Rodou pela Europa, fotografou as grandes estrelas do cinema e celebridades, cobriu Copas do Mundo. Viajou o Brasil para registrar com urgência a transformação e a modernização do país sob seu olhar humanista.
Os pesquisadores analisaram mais de 20 mil imagens.
A sensação é de que podem vir muitos mais volumes, já que Luciano Carneiro sabia como ninguém contar uma boa história. “O resultado, este depende da sensibilidade e da experiência do homem, que fica trás das lentes.”