Cultura
Terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Licenças poéticas não atrapalham o eficiente drama ‘Os 7 de Chicago’

PATRÍCIA CAMPOS MELLO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Aaron Sorkin começou a escrever o roteiro de “Os 7 de Chicago” em 2006. A ideia era reconstituir os protestos contra a Guerra do Vietnã em 1968, em Chicago, que acabaram em quebra-quebra, e o histórico julgamento dos líderes das manifestações. Depois de idas e vindas, ele retomou o projeto em 2017, também como diretor, e terminou de filmar bem antes dos protestos do Black Lives Matter.
Mas é impossível não enxergar um símile de 1968 nos confrontos entre manifestantes e policiais de maio deste ano.
“Os 7 de Chicago” abre com imagens do fim dos anos 1960, quando o então presidente Lyndon Johnson anuncia sua decisão de enviar um número ainda maior de soldados para lutar na Guerra do Vietnã.
As tensões sociais estavam prestes a explodir. Bob Kennedy e Martin Luther King haviam sido assassinados naquele ano. Foi nesse contexto que diversas organizações convocaram uma manifestação em frente à convenção democrata que se realizaria em Chicago em 1968. O objetivo era pressionar o indicado pelo partido, Hubert Humphrey, a sair da guerra se fosse eleito.
Cerca de 10 mil jovens chegaram a Chicago para cinco dias de protestos e shows de música. Foram recebidos por milhares de policiais orientados pelo então prefeito democrata Richard Daley a não deixar que nada nem ninguém estragasse a convenção.
O resultado foi um quebra-quebra pela cidade toda, com centenas de feridos por policiais e 700 pessoas presas.
O republicano Nixon derrotou Humphrey na eleição de 1968. Ao assumir, quis passar um recado para os movimentos de protesto contra a guerra –orientou o Departamento de Justiça a indiciar seus líderes, que ficaram conhecidos como os sete de Chicago, pelos crimes de conspiração e de cruzar fronteiras estaduais para promover tumultos.
No filme de Sorkin, esses líderes são interpretados por um time luxuoso. Sacha Baron Cohen é Abbie Hoffman, o irreverente ativista do movimento dos yippies, que havia tentado levitar o Pentágono para acabar com a guerra.
Eddie Redmayne é o certinho Tom Hayden, o líder dos Estudantes para uma Sociedade Democrática, que contabilizava os soldados mortos no Vietnã e propunha lutar usando o sistema. Há ainda Jeremy Strong na pele de Jerry Rubin, o lisérgico parceiro de Hoffman no movimento de contracultura. Frank Langella brilha como o juiz perverso, Julius Hoffman, e Mark Rylance como um dos advogados .
Os sete originalmente eram oito. Bobby Seale, papel de Yahya Abdul-Mateen 2º, era o presidente dos Panteras Negras e fora incluído na acusação inicial, embora tivesse passado só quatro horas na cidade e não tivesse nenhuma relação com os outros líderes. Seu processo acabou separado dos outros, mas antes ele foi submetido a humilhações.
Numa das cenas mais impactantes do filme, o juiz manda policiais controlarem Seale, que gritava “porco racista” do banco dos réus. Ele protestava porque seu advogado, que havia sido hospitalizado, não podia estar presente, e o juiz não havia permitido o adiamento do julgamento. O ativista foi amordaçado e amarrado e assistiu ao resto do julgamento desse jeito.
O diretor faz questão de mostrar a diferença entre os sete de Chicago, todos brancos, em posição bem mais confortável do que Seale, um ativista negro, acusado falsamente, cujo amigo, Fred Hampton, também dos Panteras Negras, fora assassinado pela polícia na mesma época.
O julgamento se estendeu por cinco meses e foi um circo. O juiz Hoffman era abertamente hostil aos réus. Fora do tribunal, manifestantes protestavam, gritando “o mundo inteiro está vendo”.
O filme tem diversas licenças poéticas. O promotor Richard Schultz, é interpretado por Joseph Gordon-Levitt como um sujeito correto, com crises de consciência ao perceber que o juiz é parcial. Na realidade, Schultz desempenhou a função de pitbull de Nixon, que não hesitava em partir para a jugular dos réus.
Mas isso não compromete “Os 7 de Chicago” que é, na essência, um eficiente drama de tribunal. Com seus diálogos certeiros, Sorkin, um progressista convicto, consegue transmitir no filme sua visão da política americana atual, ao opor o juiz conservador e inflexível a um grupo de jovens de esquerda, revolucionários.