SYLVIA COLOMBO
BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – A menos de uma semana da eleição na Bolívia, o ex-presidente e candidato Carlos Mesa se concentra na construção de uma frente contra o MAS (Movimento ao Socialismo), partido de Evo Morales.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, por videoconferência, ele afirma que, caso haja um segundo turno, vai superar as diferenças ideológicas e buscará o diálogo com as forças políticas que deixaram a campanha nas últimas semanas sob a justificativa de evitar a fragmentação do voto contra Luis Arce, candidato do MAS.
O centro-esquerdista Mesa, 67, foi presidente da Bolívia entre 2003 e 2005. Assumiu após a renúncia de Gonzalo Sánchez de Lozada, pressionado por protestos sociais que levaram a mais de 70 mortes.
Durante sua Presidência, o historiador conseguiu num primeiro momento acalmar os ânimos e chegou a ter 62% de popularidade. Depois, um conflito com sindicatos também o levou à renúncia.
As pesquisas para a eleição de domingo (18) mostram um cenário aberto -é preciso levar em conta que os levantamentos no país não são confiáveis. Arce lidera, e há quadros que dão vitória a ele num primeiro turno e outros que apontam para um segundo turno, que, se for necessário, será em 29 de novembro.
PERGUNTA – Nas últimas semanas, houve duas desistências na corrida eleitoral, a da presidente interina Jeanine Añez e a do ex-presidente Jorge “Tuto” Quiroga. Mesmo que eles tenham dito que a saída da disputa era para não fragmentar o voto contra o MAS, nenhum deles anunciou abertamente um apoio à sua candidatura, que é a mais competitiva. Como o sr. avalia isso?
CARLOS MESA – No caso da presidente, creio que foi correto não anunciar um apoio direto. Afinal, ela havia perdido a neutralidade ao se apresentar como candidata. Então, não parecia algo inteligente que ela deixasse a disputa e apoiasse outro candidato, porque cairia outra vez na parcialidade. No caso de Quiroga, a realidade objetiva é que ele que não tinha chances de ser eleito.
P. – Sim, mas o senhor dependerá dos votos que iriam para eles se quiser ser eleito. E ambos divergem do seu perfil ideológico.
CM – Correto. Mas a prioridade agora é construir uma base de 65% de eleitores anti-MAS. Desde o começo sabemos que só há duas candidaturas competitivas, e o objetivo é ganhar a Presidência e ter maioria na Assembleia Legislativa. Se essa maioria não for conquistada por meio do voto popular, que é o esforço que estamos fazendo, sou consciente de que terei de estabelecer nexos com as forças democráticas que pensam diferente. É preciso construir, para governar, uma aliança no Parlamento que possa enfrentar o MAS.
P. – O senhor crê que as denúncias de um suposto escândalo de pedofilia envolvendo o ex-presidente Evo Morales impactaram negativamente a campanha de Arce?
CM – Sim. O impacto dessas acusações foi grande e gerou uma crítica -pessoal e política- contra Morales e, por consequência, contra seu partido. A repercussão internacional do caso aumentou essa pressão. Quanto às acusações propriamente, parece haver indícios que legitimam uma investigação que precisa ser feita pela Justiça.
P. – Se o senhor for eleito, qual será a prioridade no combate ao coronavírus?
CM – Sabemos que o problema não terminou, e mesmo que a curva de contaminações venha caindo precisamos preparar o país para uma provável segunda onda. Se for eleito, o objetivo será aumentar o orçamento da área de 6,8% do PIB para 10%. Porém, o mais urgente é investir na compra de equipamentos e fortalecimento do pessoal médico e do sistema de testes, que foi muito fraco durante a gestão da pandemia pela presidente Áñez.
P. – As acusações de fraude no pleito anterior ajudaram a formar o caldo que levou à renúncia de Evo. Mas também houve contestações de pesquisadores sobre a credibilidade das denúncias contra a reeleição do ex-presidente. Todos estarão de olho nesta eleição questionando se o resultado é confiável.
CM – Dentro do contexto do coronavírus e das condições complexas que tivemos com as ameaças do MAS e a tensão social, creio que o resultado do trabalho do Tribunal Constitucional é positivo. Confio no Tribunal Eleitoral e creio que será uma eleição livre e transparente, com dificuldades menores, obviamente, mas que não deve abrir dúvidas sobre fraudes ou uma distorção eleitoral. O que é importante é que os resultados sejam conhecidos na noite do próprio domingo. Se no ano passado nós conseguimos ter 80% da contagem rápida realizada até as 20h, quando houve a interrupção do sistema, não há por que crer que não possamos ter o resultado com quase 100% dos votos por volta das 22h do próprio domingo.
P. – O sr. está satisfeito com o envio de observadores internacionais?
CM – Sim. Para que não tenhamos espaço para discussões sobre o resultado, é crucial que as missões de observadores internacionais, da OEA [Organização dos Estados Americanos], da União Europeia, das Nações Unidas e do Centro Carter, respaldem o resultado rapidamente. Para evitar uma nova onda de violência, precisamos de agilidade, que não tenhamos mais de 24 horas desde o fim da contagem até o momento em que é publicado o relatório oficial internacional. Não podemos dar espaço para que os conflitos e tensões de rua ocorram, como no ano passado. Ou abrir brecha para que o perdedor saia a dizer que houve fraude. Se há espaço para dúvidas e questionamentos, é mais fácil para que o caos se instale. O tribunal eleitoral tem de ser ágil para ajudar a evitar mais violência do que a que já tivemos.
P. – Logo depois das eleições na Bolívia, haverá uma eleição legislativa na Venezuela. O sr. continuará com a política da presidente Añez de apoiar Juan Guaidó, que anunciou que não participará dessa votação?
CM – Com relação à Venezuela, sou muito crítico. Estou convencido de que Nicolás Maduro é um ditador, e minha posição sobre essas eleições legislativas é de muito ceticismo. Não sou otimista e creio que o que vai ocorrer é uma reprodução do que vem sendo as eleições nesta ditadura. Assim, se eu for eleito, não mudaremos de posição no sentido de continuar repudiando a ditadura.
P. – A Bolívia estará no Grupo de Lima caso o senhor seja eleito?
CM – Certamente haverá um reconhecimento, da minha parte, de que há um problema na Venezuela, porque há um ditador que precisa abrir seu país à democracia e não quer fazer isso. Minha posição se aproxima da do Grupo de Lima. Porém, o balanço dos avanços desse grupo, agora, é incerto. O que posso garantir é que apoiarei a construção de um espaço democrático na Venezuela.
P. – O atual governo da Bolívia está brigado com o da Argentina. Como reanimar essa relação, uma vez que há uma parceria comercial importante e mais de 1 milhão de bolivianos vivendo na Argentina?
CM – Lamento profundamente a atitude equivocada do presidente Alberto Fernández de não reconhecer a presidente Añez como presidente constitucional. Espero que o governo argentino tome a iniciativa de reconhecer o ganhador legítimo da eleição na Bolívia, seja ele quem for, e que o faça de modo formal. Se for assim, estamos com a melhor intenção de retomar as relações que sempre tivemos com a Argentina. Assim como teremos uma relação de respeito com o Brasil. Mesmo com diferenças ideológicas, ocorrerá o mesmo com a Argentina. Não seguiremos essa lógica que estamos vivendo na região, em que governos se alinham por ideologia. Espero poder ajudar a acabar com essa ideologização absurda das relações dos países-vizinhos e estabelecer um elo de interesses legítimos, em que se possa reconhecer diferenças nas linhas de conduta política e econômica e que, ao mesmo tempo, isso não impeça uma relação fluída. É algo básico que parece haver sido perdido nesses tempos.