FÁBIO ZANINI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – De máscaras e camisetas brancas, a pé e em carreatas, paraguaios saíram as ruas no fim de semana para se manifestar contra uma das ações mais ousadas da história do EPP, grupo terrorista que rotineiramente ressurge após ser dado pelo governo como derrotado.
Criada em 2008, a guerrilha marxista Exército do Povo Paraguaio sequestrou na última quarta-feira (9) o ex-vice-presidente e ex-senador Óscar Denis, 74, quando ele chegava a sua propriedade rural, na região de Bella Vista Norte, perto da fronteira com o Mato Grosso do Sul.
Um dos trabalhadores da fazenda, Adelio Mendoza, que estava com Denis no momento, também foi levado.
Na sexta-feira (11), o EPP assumiu a autoria do sequestro e fez duas exigências para libertar os dois reféns com vida. A primeira é a libertação de dois de seus integrantes que estão presos por ações anteriores.
A segunda é típica do modo de agir da organização, que reveste sua ação armada com uma espécie de marketing social: pediu que a família de Denis doe US$ 2 milhões (R$ 10,5 mi) em cestas básicas para 40 comunidades pobres do norte paraguaio.
Apesar de o governo paraguaio dizer que não aprova a negociação, a família de Denis começou a distribuir as cestas no final de semana, todas etiquetadas com o nome do EPP, como foi a exigência.
“Estamos cumprindo com os pedidos que vocês fizeram. Começamos ontem e seguiremos trabalhando nisso intensamente”, disse Beatriz, uma das filhas de Denis, dirigindo-se ao EPP. Ela pediu uma prova de que o pai está vivo e que se estabeleça um canal de comunicação entre os sequestradores e família.
Para fazer frente à ação da guerrilha, escolas na capital paraguaia, Assunção, também começaram a recolher alimentos para serem doados a comunidades pobres do norte do país, sobretudo indígenas, que disseram não aceitar a oferta do grupo.
A maior manifestação ocorreu no domingo (13) na cidade de Concepción, uma das mais importantes do norte paraguaio. Também houve atos em Assunção e em outros centros importantes.
Os manifestantes pediam ainda a libertação de dois reféns mantidos em poder do EPP há mais tempo: o oficial das Forças Armadas Edelio Morinigo, sequestrado em julho de 2014, e o fazendeiro Félix Urbieta, levado em outubro de 2016.
As imagens de ambos, que não se sabe se foram mortos, adornam cartazes e outdoors no norte do Paraguai, e a libertação deles se tornou uma espécie de causa cívica na região.
O EPP já foi considerado vencido diversas vezes pelo governo paraguaio, apenas para ressurgir com alguma ação de efeito, como mostra o sequestro de Denis.
Ele foi vice-presidente do Paraguai entre junho de 2012 e agosto de 2013, no governo de Federico Franco, que assumiu após o impeachment do presidente Fernando Lugo.
A guerrilha sempre se inspirou nas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), mas, ao contrário do grupo colombiano, não seguiu o caminho da política institucional.
Estima-se que o EPP mantenha entre 300 e 500 homens armados no norte paraguaio, vivendo em acampamentos e adotando o sequestro de agentes de segurança, políticos e fazendeiros como modo de ação.
Ente os grupos mais visados estão membros da minoria protestante menonita e os chamados “brasiguaios”, paraguaios descendentes de brasileiros.
Ambas as comunidades são bastante atuantes no agronegócio, sobretudo na plantação de soja e milho, e acabam virando alvo dos guerrilheiros.
Em 2014, o brasiguaio Arlan Fick, à época com 17 anos, foi sequestrado pelo grupo na fazenda onde vivia com os pais, na região de Concepción. Passou nove meses em cativeiro até ser libertado mediante o pagamento de resgate de US$ 500 mil (R$ 2,6 milhões).
Em novembro de 2018, outro brasileiro, o madeireiro Valmir de Campos, 48, não teve a mesma sorte. Foi sequestrado e morto por seis homens que disseram pertencer ao grupo.
O EPP, além dos sequestros, financia-se com o roubo de insumos, máquinas e até pequenos aviões.
Na região, a tensão voltou após meses de uma relativa calmaria. Um produtor brasiguaio em Santa Rosa del Aguaray, cidade com 42 mil habitantes em que o EPP atua, afirmou que a situação é muito delicada, especialmente porque os agricultores estão na época da colheita de milho, girassol e chia, quando há mais gente trabalhando na lavoura.
Segundo ele, que pediu para não ter o home revelado, houve outros crimes nos últimos dias, como o assassinato do empregado de uma fazenda, que podem ter relação com a guerrilha.
O agricultor afirmou que o mercado de arrendamento de terras para produção na região praticamente parou, porque os clientes em potencial estão com medo. O agronegócio paraguaio até agora vinha sofrendo pouco os efeitos da pandemia, mais concentrada nas grandes cidades. O país teve 28 mil casos e 525 mortes até o momento.
As ações de combate ao EPP estão a cargo de uma força-tarefa conjunta que reúne militares e a Polícia Nacional (equivalente da Polícia Federal).
Uma semana antes do sequestro de Denis e Mendoza, um confronto em um acampamento terminou com a morte de duas meninas de 11 anos que teriam sido recrutadas pela guerrilha. Especula-se que esse episódio teria incentivado o EPP à ação contra o ex-vice-presidente, como retaliação.
Nesta segunda (14), o ministro do Interior do Paraguai, Euclides Acevedo, afirmou que o governo segue fazendo buscas pelos reféns e que a Constituição do país proíbe que presos por terrorismo sejam libertados em negociações.
Os sequestradores deram 72 horas para a libertação dos prisioneiros do EPP, prazo que já se esgotou. O governo diz acreditar, contudo, que os reféns ainda estejam vivos, por serem troféus políticos muito importantes para o grupo.
Internacional
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