ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
BRUXELAS, BÉLGICA (FOLHAPRESS) – Fragmentado entre mais de 80 grupos de interesses bastantes diversos -de neonazismo a antivacina-, o protesto que reuniu cerca de 20 mil pessoas neste sábado (1º) em Berlim não foi necessariamente uma manifestação de força da extrema direita, mas há nele sinais de alerta que devem ser levado a sério, dizem analistas políticos alemães.
“O extremismo de direita é a principal ameaça à segurança interna da Alemanha hoje”, diz o professor da Universidade de Würzburg Hans Joachim Lauth, que estuda a direita europeia. Segundo relatório de 2019 do Ministério do Interior, o país registrou cerca de 1.000 atos de violência de extrema direita no ano passado, quase 3 por dia, e número de ativistas de grupos violentos de direita subiu de 24 mil para 32 mil pessoas.
Boa parte desse aumento, segundo Lauth, se deve ao crescimento da facção Flügel (asa), uma divisão interna do partido populista Alternativa para a Alemanha (AfD). O grupo, que alcança 7.500 apoiadores, é hoje considerado de extrema direita violenta.
Embora o professor de Würzuburg considere que o número de manifestantes no sábado não seja significativo para os padrões alemães e que a grande fragmentação de pautas mostre que não há um direcionamento central, há também aí um sinal importante, diz Paulina Fröhlich, chefe do programa Futuro da Democracia do centro de estudos Progressive, sediado na capital alemã.
“Justamente porque o protesto juntou pessoas tão heterogêneas, sobressai o que as une, que é o populismo”, afirma a pesquisadora, que considera os movimentos de extrema direita “uma grande ameaça à democracia e à sociedade alemães”.
Os radicais são uma fração pequena da sociedade alemã, observa o cientista político Michael Jankowski, da Universidade de Oldenburg. Pesquisa divulgada pela Fundação Friedrich-Ebert no ano passado mostrou que apenas de 2% a 3% dos entrevistados expressam clara opinião de extrema direita.
Mas a manifestação do sábado mostra que essa diminuta minoria é capaz de se mobilizar, juntar forças e fazer suas vozes serem ouvidas, diz ele. Mais que isso, afirma o cientista político, seu discurso está se tornando cada vez mais extremista: “Como a crise dos refugiados deixou de ter a força que tinha em 2015, radicalizar pode ser a estratégia encontrada para serem ouvidos”.
O engajamento de extrema direita também tem se tornado mais visível em público, seja no sentido cultural (música, moda), seja na mídia (editoras, blogs) ou no poder de influenciar a atmosfera e a narrativa, afirma Fröhlich, o que traz o risco da chamada “normalização”.
Quando linguagem e opiniões extremas escandalizam cada vez menos, cresce o perigo, diz ela: “É muito importante traçar uma linha vermelha clara sobre ações como xenofobia ou discriminação”.
Uma das preocupações principais é com o avanço dos extremistas em instituições alemãs. O sinal recente mais grave foi a desativação de uma das principais forças militares de elite, a KFK, por causa da infiltração de um grupo de extrema direita que chegou a planejar atentados.
“Dizer que essas facções são uma ameaça crescente está longe de ser um exagero”, afirma Jankowski, citando denúncias de envolvimento de oficiais das forças militares e desvio de armas e munições.
Os atentados recentes, provocados por direitistas, também mostram que não são os radicais islâmicos a principal preocupação de segurança, afirma o pesquisador: “O extremismo de direita é hoje um problema gigante na Alemanha.”
Ele ressalva, porém, que embora esteja manifesto um grande potencial para conflito na sociedade alemã, esses grupos não necessariamente ampliarão sua presença no Parlamento. Fröhlich e Jankowski observam que, durante a pandemia de coronavírus, o AfD, maior agremiação de oposição (com 12,6%) perdeu popularidade. Nas pesquisas nacionais, ele varia hoje em torno de 9%.
“Mas, se os movimentos continuarem se radicalizando cada vez mais, pode haver um impacto na sociedade e na cultura política alemã”, afirma Jankowski.
Contra isso, duas estratégias de resistência têm ficado mais evidentes, segundo Hans Joachim Lauth: “De um lado, o Estado intensifica medidas de proibição, observação e treinamento político e democrático. De outro, a sociedade civil também eleva o tom de repúdio ao extremismo de direita, o que tem se refletido em várias contra-manifestações e debates públicos”.
No longo prazo, também é preciso “ter consciência de que os movimentos de direita radical e conspiratórios estão aqui para ficar” e tomar decisões para proteger as instituições, segundo Jankowski.
“A infiltração nas Forças Armadas nos obriga a repensar o treinamento de nossos soldados, e é preciso comunicação e educação para que a sociedade esteja mais consciente”, diz.
Cofundadora e porta-voz de uma iniciativa para combater o populismo por meio da “cordialidade radical”, a Kleiner Fünf, Fröhlich defende “olhar mais de perto e ouvir um pouco mais antes de tirar conclusões”.
Segundo ela, atitudes como a de recusar o uso de máscaras e promover aglomerações provam que muitos não entenderam de fato decisões fundamentais do governo: “Isso precisa ser registrado e resolvido”.
Para a pesquisadora, “nem todos podem ser conquistados de volta ao lado democrático, mas não se deve desistir de conversar, ouvir, explicar e aprender, mesmo que a contraparte nos pareça totalmente ignorante, como a maioria no sábado”.
Analistas têm mostrado que a segurança econômica (real ou percebida) é fundamental para os eleitores de direita, e atender a essa preocupação pode ser uma forma de evitar que eles sejam capturados por extremistas, diz Fröhlich: “Políticas socialmente responsáveis, investimentos orientados para o futuro, aliados a uma proibição clara de qualquer discriminação são estratégias viáveis”.
Segundo ela, boas políticas poderiam reconstruir a confiança na democracia de muitos dos que aderiram aos protestos ou votaram no AfD, “desde que eles também se abram à discussão e à perspectiva de avanços progressistas”.
Internacional
Sexta-feira, 13 de setembro de 2024
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