Cultura
Segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Combo de ‘Apocalypse Now’ mostra a guerra por trás das câmeras

SÉRGIO RIZZO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quando Francis Ford Coppola foi às Filipinas com a família (Sofia, a futura diretora de “Encontros e Desencontros”, tinha quatro anos) e um roteiro cujo final o desagradava, em 1976, as filmagens de “Apocalypse Now” estavam planejadas para durar 16 semanas.
Uma troca de protagonista – Harvey Keitel por Martin Sheen–, um furacão, um ataque cardíaco –de Sheen–, um colapso nervoso –de Coppola–, um astro que ameaçou não vir – Marlon Brando – e muitos problemas depois, as filmagens duraram 34 semanas –sem contar um intervalo.
Na época, a imprensa se encarregou, com trocadilhos em manchetes, de fazer o que hoje cabe aos memes. “Apocalipse quando?”, perguntava uma delas. A melhor resposta teria sido “agora e sempre”.
Sim, porque a megalomaníaca e delirante aventura de Coppola na selva não termina, como demonstra o pacote que o serviço de streaming Belas Artes à la Carte lança agora, com “Apocalypse Now: Final Cut” e dois documentários.
A primeira versão de “Apocalypse Now” foi a cópia de trabalho que competiu no Festival de Cannes, em maio de 1979. Coppola recebeu a Palma de Ouro de melhor filme, um prêmio que ele já havia vencido por “A Conversação”, de 1974.
As cópias que chegaram aos cinemas, naquele ano, compactaram as 230 horas de material filmado em 144 minutos. “Transitar por esse universo era como avançar por uma floresta densa”, conta um dos responsáveis pela proeza, o montador Walter Murch, no livro “Num Piscar de Olhos”.
Em 2001, “Apocalyse Now Redux” estreou em Cannes. Tinha 197 minutos e recuperava sequências descartadas antes, como a passagem do capitão Willard, papel de Sheen, pela fazenda francesa protegida por milicianos –trecho de que Coppola não gostava.
A restauração dos negativos originais deu origem a “Apocalypse Now: Final Cut”, ou corte final, lançado no ano passado, com “só” 183 minutos. É a versão que Coppola, então com 80 anos, quis como a definitiva.
A abertura icônica ao som de “The End”, da banda The Doors, e o final que evoca as palavras “o horror, o horror”, do romance “O Coração das Trevas”, de Joseph Conrad, balbuciadas pelo coronel Kurtz, vivido por Brando, continuam lá.
Entre as duas sequências, o tempo estendido de “Final Cut” atribui intensidade ainda mais perturbadora à visão da Guerra do Vietnã como jornada à “zona obscura”, em referência também ao nome original da série clássica “Além da Imaginação”, segundo Coppola.
Os documentários levam o espectador a outra guerra, a das filmagens, em que oficiais graduados – como o diretor de fotografia Vittorio Storaro e o diretor de arte Dean Tavoularis – e centenas de recrutas estavam sob o comando de um general megalomaníaco – Coppola – que levou às Filipinas o modus operandi imperalista americano no Vietnã.
Rodado pela mulher do diretor, Eleanor, “Apocalipse de um Cineasta”, de 1991, dá a perspectiva do comando. É um espetacular making of, concebido para registrar um novo triunfo do mago de “O Poderoso Chefão”, mas que por bem pouco não se torna a crônica de um desvario inacabado.
Já “Dutch Angle: Fotografando Apocalypse Now”, lançado por Baris Azman no ano passado, é um complemento valioso ao recuperar a participação do holandês Chas Gerretesen como o fotógrafo de set. Observador sensível ao jogo hollywoodiano de egos e vaidades, ele faz um relato equivalente ao de um espião nas tropas de Coppola, com indiscrições deliciosas sobre a presença espaçosa e narcisista de Brando no front das filmagens.