ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
BRUXELAS, BÉLGICA (FOLHAPRESS) – Numa eleição com várias surpresas, os poloneses decidiram que haverá segundo turno no dia 12 de julho, e os principais concorrentes serão o partido que governa a Polônia -o nacionalista Lei e Justiça (PiS)- e seu maior opositor, o liberal Plataforma Cívica.
Andrzej Duda, atual presidente que tenta a reeleição com o apoio do PiS , não conseguiu os 50% dos votos mais 1 necessários para garantir a vitória no primeiro turno, segundo pesquisa de boca de urna feita pelo instituto Ipsos.
Ficou em 41,8%, contra 30,4% do prefeito de Varsóvia, Rafal Trzaskowski (pronuncia-se tsharskófiki), da coalizão encabeçada pela Plataforma Cívica (KO).
Há seis semanas, Duda tinha nas mãos a vitória no primeiro turno, e Trzaskowski nem estava na disputa.
Mas a pandemia levou a votação -anteriormente marcada para 10 de maio- a ser anulada e a KO pode substituir sua então candidata, Malgorzata Kidawa-Blonska, que vinha em queda livre e estava perto de 5% das intenções de voto.
Na nova campanha, a oposição conquistou eleitores, e a situação recuou, levando a eleição para o segundo turno.
Embora tenha perdido terreno, o atual presidente se disse satisfeito com os números revelados na boca de urna. “Apesar de ser criticado e atacado, apesar de tomar decisões difíceis, depois de cinco anos, muito mais pessoas votaram em mim agora”, afirmou ele.
Em 2015, os resultados de na boca de urna do primeiro turno deram a Duda teve 34,8% dos votos.
Já Trzaskowski disse que o resultado “mostra uma coisa: que mais de 58% das pessoas querem mudanças”. “E quero dizer a todos esses cidadãos: serei seu candidato, serei o candidato da mudança.”
Segundo a pesquisa do Ipsos, em terceiro lugar ficou o independente Szymon Holownia, com 13,4% dos votos; o candidato de direita nacionalista Krzysztof Bosak ficou com 7,4%, e Robert Biedron, da esquerda, obteve 2,9%.
O bom resultado de Holownia, um outsider da política, mostra insatisfação dos eleitores com “o duopólio que se alterna no poder há 15 anos”, segundo a analista Maria Skóra, chefe do Programa de Diálogo Internacional do centro de estudos alemão Das Progressive.
O prefeito de Varsóvia, agora o principal oposicionista, faz parte do grupo político do ex-primeiro ministro Donald Tusk (de 2007 a 2014), que hoje preside o PPE, bloco de eurodeputados de centro-direita no Parlamento Europeu.
“A esquerda praticamente desapareceu da Polônia. O panorama hoje é de nacionalistas de um lado e liberais de outro, com um grande vazio no meio”, afirma Skóra. Segundo a pesquisa do Ipsos, esse quadro tem favorecido o surgimento de outsiders “anti-establishment”, como Holownia.
Apresentador popular de TV e autor de livros católicos, o independente chegou a ter 17,4% das intenções de voto antes de Trzaskowski entrar na disputa.
O prefeito de Varsóvia, que dobrou sua fatia de votos em 45 dias de campanha, parece ser obtido algum sucesso em sua meta de ganhar a confiança de parte do eleitorado que até simpatiza com Duda, mas temia dar muito poder ao governo do PiS, afirma Aleks Szczerbiak, professor de ciência política na Universidade de Sussex do Reino Unido.
“O Lei e Justiça não é um partido interessado apenas em administrar o governo. Ele tem um projeto de transformação radical do Estado, que está pondo em prática”, afirma o especialista em política polonesa.
Segundo ele, caso reeleja o presidente por mais cinco anos, o governo do PiS terá pista livre para implantar seu programa, que tem como braço mais criticado a reforma do Judiciário.
No sistema parlamentarista polonês, o ocupante da Presidência tem algumas ferramentas para dificultar a vida do governo, como o poder de veto e a possibilidade de barrar indicações para a Justiça.
“Se a oposição vencer, terá poder de influenciar os rumos do país, e por isso essa eleição é tão importante”, diz Szczerbiak.
O instituto Ispos calcula que o comparecimento às urnas foi de 62,9%, acima da média no país (o voto não é obrigatório). Segundo o cientista político, na prática os eleitores estão dizendo se aprovam ou não o governo do PiS.
Além de frear ou retardar as iniciativas governistas, uma vitória da oposição pode ter também “um efeito psicológico, de elevar a moral de grupos que hoje estão sob pressão, como juízes independentes e minorias, e fortalecer a maioria dos líderes de governos locais, que é independente ou da oposição”, segundo Skólka.
“Trzaskowski foi um verdadeiro ponto de virada no roteiro desta eleição”, afirma a economista e cientista social.
Os analistas veem os dois candidatos do segundo turno como representantes de duas grandes forças políticas e culturais da Polônia de hoje.
Duda é próximo dos cidadãos tradicionais e nacionalistas, das cidades pequenas do interior, zelosos da moral católica, enquanto Trzaskowski personifica a Polônia metropolitana, integrada à União Europeia e tolerante em questões religiosas e de costumes.
Nas próximas duas semanas, o prefeito de Varsóvia tentará convencer o eleitorado de que “já tivemos o suficiente” do PiS.
Já o atual presidente, que acirrou seu discurso pró-família e anti-LGBT depois da entrada de Trzaskowski na disputa, vai procurar “mostrar as verdadeiras cores” do adversário.
Internacional
Quinta-feira, 4 de julho de 2024
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