Destaques
Sexta-feira, 3 de maio de 2024

A decisão nos EUA que vai afetar o dólar em todo o mundo

Reunião que define a taxa de juros deve sinalizar mais injeção de dinheiro na economia, mas os efeitos dessas medidas podem trazer grandes danos econômicos

As sucessivas medidas econômicas do governo Trump para conter os danos do coronavírus na economia americana e a instabilidade social no país acenderam o sinal amarelo para o derretimento do dólar em todo o mundo. Como exemplo, desde 13 de maio, o real ganhou 15% de valor frente à moeda americana — hoje está sendo negociada a 5,89 reais. Para o segundo semestre de 2020, já foi aprovada uma injeção de exorbitantes 2,9 trilhões de dólares (o equivalente hoje a 14,21 trilhões de reais) em pacotes de estímulo à economia. Para se ter ideia, o PIB do Brasil em todo o ano de 2019 foi de 7,3 trilhões de reais, quase a metade do tamanho do estímulo americano. Por isso, o mercado aguarda ansioso o encerramento da reunião do FOMC, o grupo do Federal Reserve que dispõe sobre as taxas de juros e a oferta de dinheiro nos Estados Unidos, que deve ocorrer na tarde desta quarta-feira, 10. A expectativa em si não é sobre os juros, que devem manter a estabilidade (entre 0,25% e 0%, a faixa atual). O que motiva o mercado é o discurso do presidente do Fed, Jerome Powell, com sinalizações de que altas quantias de dinheiro ainda serão disponibilizadas para os investidores em compras de títulos da dívida pública e privada.

Apesar desse remédio paliativo ser importante para manter saudável a economia dos Estados Unidos, devorada pelo vírus, ele pode aumentar demais a temperatura e desencadear perigosos efeitos colaterais. A economia é um organismo vivo e acertar a dose exata dos remédios receitados é fundamental para não desequilibrar o sistema. Injetar grandes somas de dólar desestabiliza, por exemplo, o vital equilíbrio do sistema de oferta e procura, podendo levar à inflação. O mecanismo vem sendo adotado pelo governo Trump mesmo antes da pandemia, em uma reversão da tendência de ajuste fiscal de Obama. Com o aumento dos gastos públicos despendidos na crise da Covid-19 e a queda na arrecadação fiscal, o déficit fiscal do país crescerá, um importante indicador da sua salubridade.

Apesar dos riscos, o corpo americano é suficientemente forte para aguentar o tranco dessas injeções. Como o dólar é a principal moeda de reserva do planeta, correspondente a aproximadamente 80% de todas as transações internacionais, ela encontra em seu caminho canais suficientes para absorvê-lo. “É como se o país fosse um grande exportador de dinheiro e os importadores estivem espalhados em todo o mundo”, diz André Sacconato, sócio da consultoria Integrare e consultor econômico da Fecomercio. Se por um lado todas as moedas de emergentes, exceto a Turquia, tiveram essa dinâmica, por outro a depreciação no dólar não foi aguda, uma vez que a demanda dos investidores acaba compensando o aumento da oferta. A do Brasil, por exemplo, caiu 18%, de 5,93 reais em 14 de maio para o valor atual, de 4,90 reais.

Apesar de a poupança pessoal ter se ampliado significativamente no período da pandemia devido ao desemprego e ao receio da população, o que aumenta o dinheiro disponível em caixa, a principal preocupação é que ela não seja suficientemente ampla para superar o déficit dos EUA, que cresceu 5,7 vezes em abril em relação ao do primeiro quadrimestre do ano. “O superávit vai ser muito pequeno em relação ao montante total do déficit e terá de utilizar muita emissão monetária para compensar os gastos”, diz Sacconato.

O Escritório de Orçamento do Congresso americano prevê que os déficits orçamentários do governo podem disparar para 17,9% do PIB americano em 2020. Dessa forma, a poupança doméstica, impactada principalmente pela poupança do governo, pode ser negativada em recordes inéditos, de -5% a -10% da renda nacional. “O crescimento do déficit nos Estados Unidos não assusta, porque não há aumento no risco de calote, como acontece em emergentes. Os países ricos levam isso muito a sério para não afugentar os investidores”, diz Paulo Feldmann, professor de economia da USP.

Apesar das previsões otimistas, há um risco latente, tão certo como a morte: como todo organismo vivo, a economia americana tem limites e seu vigor dependerá da extensão da pandemia no país. Enquanto o mundo torce pelo surgimento da vacina, os investidores contam com os eficientes e já provados remédios da política monetária americana, que desde a II Guerra Mundial e o plano Marshall, garantem a hegemonia do dólar.

Fonte: Veja