IGOR GIELOW
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O plano chinês de aumentar o controle sobre Hong Kong foi recebido com temor por ativistas pró-democracia no território autônomo, com duras críticas nos EUA e com pessimismo mercado financeiro mundial.
Na quinta (21), o Congresso Nacional do Povo em Pequim anunciou que irá implementar uma lei de segurança interna visando coibir o dissenso na antiga colônia britânica, o que viola a legislação vigente desde que o Reino Unido devolveu Hong Kong em 1997.
Pela proposta discutida na reunião anual do órgão, o poder central poderá usar força contra atividades consideras separatistas, terroristas ou de influência estrangeira no território.
“Pequim está tentando silenciar as vozes críticas com força e medo”, disse, por mensagem de aplicativo, o ativista Joshua Wong, um dos mais vocais adversários da ditadura comunista em Hong Kong.
Desde 2014 na linha de frente de protestos em favor de maior autonomia em Hong Kong, Wong crê que apenas a volta às ruas dos manifestantes que abalaram o território a partir de junho do ano passado poderá evitar o que ele chama de “o pior”.
Os atos de 2019 começaram em protesto contra uma lei local que facilitava a extradição de honcongueses para a China continental. Mesmo com a retirada da proposta, eles cresceram para atos por mais democracia, e só perderam gás com a pandemia.
Para Pak Fu-yi, ativista de Kowloon (porção continental o território), a repressão que atingiu os primeiros protestos depois do pico da pandemia do novo coronavírus na região tende a se acentuar.
“Com a gradual volta das atividades, as pessoas vão voltar às ruas. Haverá batalhas com a polícia”, disse por mensagem eletrônica.
“É uma proposta desastrosa, que vai impactar nossa avaliação do `um país, dois sistemas'”, disse o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo.
O modelo foi adotado na transição de controle para a China e vale até 2047. Nele, a ditadura comunista é soberana sobre o território, mas Hong Kong reteve autonomia política relativa, liberdade de expressão e no Judiciário, além do sistema capitalista.
Tal arranjo é essencial para o fluxo comercial chinês, do qual aproximadamente 60% passava antes da pandemia por transações feitas em Hong Kong, mas a gravidade dos atos de 2019 o colocou em xeque.
A crítica americana é embalada por seu uso de Hong Kong na Guerra Fria 2.0 que trava com os chineses desde 2017, quando Donald Trump chegou ao poder e abriu uma disputa comercial encarniçada com Pequim.
Os países passaram a semana trocando acusações sobre a condução da pandemia na Organização Mundial da Saúde, e houve também sinais militares dados na forma de exercícios de ambas as partes nas águas em torno da China.
Ao longo dos protestos de 2019, os americanos se posicionaram ao lado dos manifestantes. Em novembro, o Congresso aprovou, e Trump sancionou, um ato de apoio a grupos pró-democracia honcongueses, para a fúria de Pequim.
O efeito da perspectiva de mais um embate entre americanos e chineses e de renovados protestos em Hong Kong derrubou mercados no mundo todo.
Em Hong Kong, o índice Hang Seng teve a maior queda desde 2015, fechando 5,6% negativos. Na Europa, as Bolsas de Londres e Frankfurt operam em baixa. O mesmo ocorre na B3, a Bolsa paulista. O barril de petróleo, cuja cotação já está em níveis baixos devido ao impacto do coronavírus na demanda mundial, caiu 5%.
Há muitas incertezas acerca das intenções chinesas. Em editorial, o jornal oficial Diário do Povo lembrou que a proposta chinesa existe na chamada Lei Básica de Hong Kong, em seu artigo 23, que nunca foi implementado.
Isso é fato. O artigo fala sobre coibir atos como secessão, terrorismo e influência estrangeira, exatamente o que Pequim quer fazer via Congresso agora. Quando o governo honconguês tentou aplicá-lo pela última vez, em 2003, desistiu após atos maciços nas ruas.
O problema é que, legalmente, tudo o que afetar Hong Kong tem de ser aprovado localmente. Ainda não se sabe se a burocracia de Xi Jinping irá simplesmente dar uma canetada e ignorar a Lei Básica ou se criará algum subterfúgio jurídico a partir da não adoção do artigo 23.
No discurso de Pequim, Hong Kong está sendo usada pelos EUA e outros países para desgastar o regime chinês. Autoridades apontam a relação de ativistas com centros de defesa da democracia americanos e empresários honcongueses com ligações com Washington.
Um deles, o dono de meios de comunicação Jimmy Lai, foi preso na última rodada repressiva, que teve um caráter mais cirúrgico e atacou lideranças incômodas a Pequim.
Membros da oposição no Conselho Legislativo local protestaram, mas eles são minoria. Em novembro, 17 dos 18 conselhos locais, a instância mais baixa de poder, foram abocanhados por simpatizantes dos protestos. Mas 40% dos votos ainda foram para partidos pró-Pequim.
O foco agora estava voltado para setembro, nas eleições diretas marcadas para 35 das 70 vagas do Conselho, que é o órgão que pode barrar ou aprovar ações do Executivo. A outra metade é eleita por 28 associações de classe, os chamados distritos funcionais.
Aqui Pequim sempre teve a mão mais forte e, acredita Pak, continuará tendo com a nova realidade. “A pandemia desmobilizou parte do ativismo, caberá a nós tentar voltar à tona”, afirmou.
A executiva-chefe de Hong Kong, Carrie Lam, fez um previsível discurso prometendo cooperação com Pequim. Altamente impopular por sua mão pesada contra os manifestantes, ela foi escolhida por um conselho de 1.200 membros orientado pela ditadura.
A turbulência ainda não se fez sentir em Macau, a outra região administrativa especial chinesa que também será afetada pela medida de Pequim. Há alguns motivos para isso, o principal deles econômico: a renda per capita lá, alimentada pela indústria dos cassinos, é quase 70% maior do que em Hong Kong.
Além disso, os antigos donos do pedaço, os portugueses, tentaram devolver Macau duas vezes antes de conseguir fazê-lo, em 1999. A noção de identidade nacional é mais difusa, ainda que quase 90% dos moradores falem o cantonês que predomina também na vizinha Hong Kong.
Internacional
Sábado, 27 de julho de 2024
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