IVAN FINOTTI
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – No dia 9 de outubro de 2018, Roger Waters, ex-Pink Floyd, se surpreendeu ao ser vaiado por parte da plateia no Allianz Parque, em São Paulo. Logo após o primeiro turno da eleição presidencial brasileira, colocou no telão a inscrição “#EleNão” e alguns na pista chegaram a xingá-lo de forma violenta.
É mais ou menos este show que agora vira o recém-lançado filme “Us + Them”, com direção do músico e de Sean Evans. No filme, há uma estrutura de telões que desce até a cabeça dos espectadores e na metade final do show, o que não aconteceu no Brasil.
O show começa com “Breathe”, de “Dark Side of the Moon” (1973), que será apresentado quase integralmente. Após “One of These Days, um relógio surge no telão, óbvia senha para “Time”. A música é um grito à juventude e também crítica ao movimento hippie, alertando o ouvinte para se mexer antes que a vida acabe, como em “No one told you when to run/ You missed the starting gun” (ninguém te avisou quando correr/ você perdeu o tiro de partida).
No palco, Waters mostra que é ele quem faz o tique taque com seu baixo, uma curiosa surpresa. Ele assume o vocal e a plateia aparece extasiada, cantando junto. Seguem-se “Breathe (Reprise)” e “The Great Gig in the Sky”, todas entrelaçadas, como no primeiro lado do disco.
Em “Welcome to the Machine”, do álbum “Wish You Here” (1975), Waters troca seu baixo por uma guitarra e acusa a máquina da sociedade de esmagar nossos sonhos, conceito largamente presente em diversas músicas do Pink Floyd.
Após três boas canções de seu último trabalho solo, “Is This the Life We Really Want?”, o tocante dedilhado de “Wish You Were Here” retoma o foco para o Pink Floyd. A plateia canta todas as sílabas, mas não se ouve. A opção dos diretores foi a de privilegiar os instrumentos e microfones dos músicos, e nenhum ruído vaza do público. Isso torna o som mais profissional, mas certamente um pouco mais frio para o que se espera de um show ao vivo.
Um helicóptero “sobrevoa” o estádio. Trata-se apenas de um facho de luz e o barulho da aeronave, mas qualquer fã já sabe o que vem. É o prólogo de “The Happiest Days of Our Lives”, que por sua vez é o prólogo para “Another Brick in the Wall, Part 2”, do disco “The Wall” (1979).
As crianças cantando e o impressionante clipe em que elas caminham na escola até serem moídas como salsichas aqui são substituídas por meninos e meninas atuais, escolhidas com a ajuda de programas sociais nas cidades onde os shows acontecem. No palco, algumas aparecem como os prisioneiros de Guantánamo, com sacos pretos nas cabeças. Muitas outras sobem no palco para uma coreografia de resistência.
Uma plataforma desce no meio do estádio e a estação Battersea, capa do álbum “Animals” (1977), parece surgir das entranhas da terra. Um porco voador, como na época do lançamento do disco há mais de 40 anos, singra pelos ares.
A banda ataca com “Dogs” e, em seguida, “Pigs”, o animal que representa a classe política na fábula do Pink Floyd. “Pigs rule the world” (porcos dominam o mundo), pode-se ler na placa que Waters levanta. Em seguida, “Fuck the pigs!” (fodam-se os porcos), enquanto todos tomam champanhe no palco.
A música começa com o presidente americano Donald Trump estampado no telão, no exato momento em que Waters canta o primeiro “pig” da letra. O músico mostra os dedos do meio de forma raivosa.
A fortuna de Trump faz a ponte para o lado B de “The Dark Side of the Moon”, no que será a apoteose do show, começando com o hit “Money”. A seguinte é a bela “Us and Them”, que dá nome ao filme. “Brain Damage” e “Eclipse” se encadeiam, como no disco. Uma pirâmide de luz colorida explode em três dimensões na tela.
Ao fim, Waters faz ainda um breve discurso para a plateia. No final dos créditos, há um vídeo com crianças brasileiras nos bastidores do show carioca de 2018. “Eu só queria ver um pouco mais de amor”, elas cantam. E aí, sim, fim.
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