Política
Segunda-feira, 21 de julho de 2025

Dona do Ozempic tenta no STJ manter patente do remédio para além de 2026

O laboratório dinamarquês Novo Nordisk, fabricante de Ozempic e Wegovy, levou seu pedido de extensão da patente da semaglutida (o princípio ativo dos dois medicamentos) ao STJ (Superior Tribunal de Justiça). Desde abril, o recurso da farmacêutica foi autuado e agora aguarda que a corte decida se vai julgar ou não o caso.
O QUE ACONTECEU
A patente da Novo Nordisk tem validade até 20 de março de 2026. No entanto, desde 2021, a companhia pede a prorrogação este prazo. No entanto, o pedido já havia sido negado nas instâncias inferiores, no TRF-1, em Brasília, até que a empresa decidiu recorrer da decisão no STJ. O processo foi distribuído à ministra Maria Isabel Gallotti.
O principal argumento da empresa para defender a extensão de sua patente foi a demora para consegui-la. A Novo Nordisk entrou com o pedido em 2006, mas apenas em 2019 recebeu a patente. Em 2021, o STF julgou por meio da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5529 que todas as patentes poderiam durar, no máximo, 20 anos. Assim, colocou um fim à “brecha” no artigo 40 da LPI (Lei de Propriedade Intelectual) que permitia extensões.
De acordo com a legislação brasileira, o prazo de patentes começa a ser contado a partir do momento do pedido, mas a empresa só ganha exclusividade sobre o produto após obter o documento. A farmacêutica ressaltou ao UOL que só usufruiu de 35% do prazo a que teria direito por lei, ou seja, por sete anos, já que o Inpi (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) levou 13 anos estudando o pedido de patente da semaglutida.
Antes da ADI de 2021, a LPI permitia o ajuste dos prazos de patentes em caso de grandes atrasos por parte do Inpi na concessão. No entanto, o STF declarou o ajuste automático inconstitucional “porque prolonga demais o monopólio” de gigantes como a Novo Nordisk, explica o advogado Fernando Canutto, especialista em propriedade intelectual e sócio do Godke Advogados. A decisão foi embasada também pelo interesse da população, já que o fim do monopólio de um medicamento que combate uma doença crônica como diabetes pode facilitar sua ampla produção e distribuição.
A Novo Nordisk, porém, afirma que seu recurso não viola a mudança promovida pelo STF. A empresa diz que “busca um ajuste pontual, não automático e proporcional do prazo de vigência de sua patente, justamente para que a empresa possa exercer seu direito constitucional de proteção” às criações industriais, como está no Artigo 5º da Constituição. Para Canutto, o argumento da empresa é válido, mas, na prática, leva ao monopólio já rejeitado.
A Novo Nordisk tenta diferenciar este pedido dizendo que é uma correção pontual, proporcional e não automática. No entanto, o efeito prático é exatamente o mesmo daquilo que o STF já rechaçou, que não pode ter patente por mais de 20 anos. Existe um mérito [no argumento da empresa], teoricamente é possível [utilizá-lo], mas dificilmente isso vai dar certo. Fernando Canutto, advogado especialista em propriedade intelectual
Apesar de insistir que seu pedido é uma exceção, a farmacêutica também afirma que não pleiteia apenas o ajuste do prazo de vigência de sua patente, mas uma “modernização do sistema de patentes brasileiro”. Ela sugere a “inclusão de mecanismo legal de compensação do prazo de vigência de patentes na legislação nacional denominado PTA” (Patent Term Adjustment ou Termo de Ajuste de Patentes, na tradução livre do inglês).
Para Canutto, além de ser contraditória, esta ambição da Novo Nordisk não cabe ao Judiciário. “[O laboratório] está querendo ajustar a estrutura da lei, mudar a estrutura da propriedade intelectual brasileira para compensar os atrasos do Inpi, o que o STF já rejeitou. Após a decisão 5529, não há uma base jurídica sólida para a criação desse mecanismo sem que haja uma alteração legislativa”. Ou seja, apenas o Congresso poderia sugerir o tal PTA e colocá-lo em vigor no Brasil.
A farmacêutica ainda cita que o PTA poderia harmonizar o Brasil “com as melhores práticas internacionais”, já que “diversos países do mundo já adotam mecanismos de compensação de prazo de patentes”. No entanto, o advogado ressalta que países que têm modelos de aprovação e extensão de prazos de patentes mais automatizados possuem leis incompatíveis com as do Brasil. “Em legislações como a nossa, não convém utilizar esse PTA”, já que seria preciso alterar todo o sistema de propriedade intelectual. Canutto acredita que a farmacêutica teria mais sucesso em garantir compensações de atrasos através de uma parceria com o Inpi, fora dos tribunais.
Na ADI 5529, o STF também considera que a extensão de patentes teria impacto financeiro no SUS e no acesso da população aos seus serviços, já que a empresa poderia cobrar o que quisesse do sistema público. Já a Novo Nordisk diz que a afirmação é incorreta porque “no Brasil, os preços de medicamentos são regulados rigorosamente pela CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos), que estabelece limites para o preço de fábrica e o preço máximo ao consumidor”.
A patente poderia, sim, onerar o sistema público de saúde por eliminar a concorrência que forçaria preços mais competitivos, na opinião de Canutto. “Lembrando que no Brasil, assim como na Europa [em alguns países], ao contrário dos Estados Unidos, o SUS é responsável pela saúde de todos”. Ou seja, os tribunais acabam se orientando pela preservação do acesso da população a medicamentos.
STJ deve optar pelo julgamento do caso, acredita o especialista. O tribunal tem tradição de julgar causas que podem ter um impacto social. O pedido da Novo Nordisk ainda teria grande relevância econômica, jurídica e social, no seu entendimento, mas a extensão da patente deve ser negada porque existe um precedente legal do tribunal acima, a decisão de 2021 do STF.
O laboratório já baseia sua defesa no Artigo 5º da Constituição, que lhe garante o tal direito à proteção das criações industriais. Caso acumule nova derrota no STJ, é possível que a empresa leve o caso ao STF alegando violação de dispositivo constitucional. Mas dificilmente ela conseguirá impedir a queda da patente em 2026, já que o Supremo teria que rever sua jurisprudência, ou seja, seu entendimento da lei. Além disso, a corte deve “privilegiar o interesse público, especialmente na área da saúde, que é uma das áreas que a Constituição garante que o Estado deve assegurar”, lembra Canutto.

Fonte: FolhaPress