A escolha de Lúcia França (PSB) como vice de Fernando Haddad (PT) detonou, nos bastidores e em público, uma operação na chapa do candidato a governador de São Paulo para atenuar críticas à inexperiência da esposa de Márcio França (PSB), candidato ao Senado, e apresentá-la à militância e aos aliados.
Anunciada pelo ex-prefeito no último dia 5, Lúcia se incorporou à campanha com o desafio de mostrar suas credenciais para além do vínculo conjugal com França. A tarefa é transformar em trunfo eleitoral o histórico como educadora e dialogar com o eleitorado feminino e menos afeito à esquerda.
Sem experiências anteriores como candidata ou gestora pública -a não ser pelo período de nove meses em 2018 como presidente voluntária do Fundo Social de Solidariedade enquanto o marido era governador-, a postulante a vice se tornou um tema sobre o qual Haddad tem sido indagado.
O ex-prefeito, que lidera as pesquisas de intenção de voto, aceitou a indicação do PSB depois da recusa da ex-senadora Marina Silva (Rede), que era sua predileta para o posto, mas manteve a decisão de concorrer a deputada federal.
Outra opção do petista, que buscava uma mulher para a vaga, era Marianne Pinotti (PSB), sua ex-secretária na Prefeitura de São Paulo.
Haddad, relatam pessoas próximas, assimilou bem o arranjo, embora só agora esteja se entrosando com a parceira. Empenhando-se em defendê-la, ele diz que Lúcia “tem luz própria” e construiu uma carreira independentemente do marido, de alfabetizadora a empresária, já que é dona de colégio há 40 anos.
A ordem no comitê petista é virar a página e aproveitar o que a ex-primeira-dama do estado tem a oferecer.
O comportamento dela é comparado ao de Geraldo Alckmin (PSB) na dobradinha com Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na chapa presidencial: discreta quando precisa ser, efusiva quando a ocasião pede e, o principal, afinada com o discurso da campanha. No plano nacional, Alckmin também funciona como isca para moderados.
O perfil dela contrasta com o dos oponentes. Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Rodrigo Garcia (PSDB) têm vices mais calejados e com pontes no universo político: o ex-prefeito de São José dos Campos Felicio Ramuth (PSD) e o deputado federal Geninho Zuliani (União), respectivamente.
A agenda de campanha de Lúcia, que é filiada ao PSB há 20 anos, vai priorizar o contato com outras mulheres e atividades ligadas a educação, creches, saúde, capacitação profissional e empreendedorismo. O objetivo é ser complementar a Haddad, que, assim como ela, é professor, mas de nível universitário.
Tido como principal obstáculo para a candidatura petista, o interior do estado é o destino preferencial da vice até outubro, em esforço para combater o antipetismo. Ela própria já admitiu no passado não ser uma eleitora do PT, mas hoje repete o discurso de que a gravidade do momento exige união.
Lúcia participou de atos com Haddad e Lula nas primeiras semanas de campanha, mas ainda não aceitou pedidos de entrevista. A definição dela como vice foi considerada surpreendente até por pessoas que acompanhavam as negociações e ocorreu no limite do prazo legal.
Às pressas, o PSB começou a montar uma equipe para auxiliá-la. Uma jornalista que trabalhou na TV foi contratada para assessorar a vice no contato com jornalistas e nos discursos. A educadora, como gosta de ser chamada, deixou seu colégio em Praia Grande (SP) sob os cuidados de outros diretores.
Casada há mais de 30 anos, Lúcia até tem feito aparições com seu companheiro, já que muitas agendas da chapa estadual paulista são conjuntas, mas também se descola de França e de Haddad para compromissos individuais, com a intenção de reforçar a imagem de autonomia.
Em reunião com a bancada do PT na Assembleia Legislativa, na semana passada, estava com o marido. No trecho postado em uma rede social, contava aos deputados ter sido líder na Pastoral da Juventude –ela cita a atuação na Igreja Católica como exemplo de seu engajamento em causas.
A postulante a vice disse nos últimos dias acreditar que seu nome passou a ser cogitado para a função depois de um almoço em julho no qual França comunicou a Lula e Haddad sua desistência da candidatura a governador, em prol da aglutinação do campo de esquerda no estado.
Na ocasião, diante também das companheiras dos dois petistas, Rosangela da Silva, a Janja, e Lu Alckmin, Lúcia pediu a palavra e foi firme ao cobrar do ex-presidente respeito a acordos políticos e apelar por unidade para derrotar o presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição.
A ex-primeira-dama participou de reuniões sobre o plano de governo da já superada candidatura de França e deu pitacos sobre políticas públicas. Como parte do acordo, Haddad englobou algumas das propostas a seu programa.
Em entrevista à Folha em 2020, quando participava da campanha do marido a prefeito da capital paulista, Lúcia disse ter tanta sintonia com o marido que era como se fossem a mesma pessoa. “A gente gosta que as pessoas tenham certeza de que onde eu estou o Márcio está, e vice-versa”, afirmou.
Hoje, quando ouve comentários que a reduzem a esposa de político, ela responde que não é a primeira vez em seus 60 anos de idade que lida com o machismo. A candidata a vice esperava insinuações, mas se incomoda por ser mais indagada sobre o laço conjugal do que sobre sua trajetória.
A opção por Lúcia é descrita por aliados do petista como uma aposta. Sob anonimato, um dos políticos diz que, se a chegada dela aparentemente não agrega votos, tampouco prejudica a chapa. Como França é considerado um político mais ao centro, ela pode ser útil caso replique esse estilo.
“Foi a costura possível”, diz o deputado estadual Emidio de Souza (PT), coordenador do programa de governo de Haddad. “O PSB decidiu indicá-la, e ela está no perfil desejado: mulher, experiente, educadora, empresária, ponderada. Compõe uma boa chapa.”
Emidio relativiza o fator inexperiência sob o argumento de que “ela tem visão administrativa e social, é militante, acompanhou o Márcio a vida toda, participou das campanhas dele”. Um dos filhos do casal é o deputado estadual Caio França (PSB), que tenta a reeleição neste ano.
Presidente do PSOL -sigla que reivindicou o lugar de vice e acabou contemplada com a suplência da candidatura de França-, Juliano Medeiros afirma ser positiva a presença feminina na chapa. “Comparando com os demais adversários, o fato de ter uma mulher educadora é uma vantagem inquestionável”, diz.
A campanha de Haddad atenua as críticas de que a escolha tenha dado à chapa um caráter de negócio familiar. Uma das leituras no universo político foi a de que França amarrou duas pontas, ao ser postulante ao Senado e ter presença indireta na candidatura ao Executivo.
O ex-governador nega ter imposto a companheira na vice. “Brinco que o Haddad levou a minha melhor parte com ele. Ela tem todas as características desejáveis para a posição e fica sendo cobrada por ser minha esposa, mas, quando ouvirem a Lúcia falar, vão ver que ela tem muito a dizer e a contribuir”, afirma.
Após um seguidor de rede social criticar o PSB pela “centralização do poder” no casal, França respondeu ser “incrível o ataque que sofrem as mulheres” e afirmou que ser casada com ele em nada diminui a militância política da esposa.
Fonte: FolhaPress